Quem é torcedor de um time que já foi rebaixado no Brasileirão (ou em qualquer torneio) sabe a angústia que é acompanhar rodada a rodada o seu clube tentar escapar de algo que parece somente uma questão de tempo. Na economia e nas finanças globais, um país também pode ser rebaixado, como ocorreu nesta semana, quando a agência Standard & Poor’s rebaixou a nota de crédito do Brasil de BBB- para BB+.
As agências de classificação de risco (Fitch, Moody’s e S&P, para ficar nas mais famosas) avaliam indicadores econômicos dos países, tais como dívida, juros, inflação, gasto público, arrecadação, crescimento econômico etc., e atribuem uma nota ao país, que serve para os investidores como um parâmetro de risco caso queiram colocar seu dinheiro no país. Nações que mantêm a casa em ordem, controlam suas contas públicas e têm dívidas facilmente pagáveis recebem boas classificações de risco chamadas “grau de investimento”. Já países que esquecem de fazer a lição de casa recebem más classificações de risco e ficam no grupo dos que possuem dívida de alto risco: os chamados junks – porcarias!
Cada agência tem sua escala de classificação, mas são muito parecidas e comparáveis, ou seja, há uma certa relação direta entre as escalas. O grau de investimento consiste nas classificações acima de BBB-, BBB- e Baa3 (estas inclusive) segundo a Fitch, S&P e Moody’s respectivamente. Abaixo desse nível, são os junks.
Mas por que fomos rebaixados pela S&P?
Ao contrário do futebol, não há angústia estampada nos nossos rostos com o atual rebaixamento
Direto ao ponto: porque não arrumamos a casa. Nos últimos quatro anos, tivemos um crescimento médio de apenas 2,1% ao ano, inflação média de 6,2% a.a., bem acima da meta de 4,5%, e, acima de tudo, piora nas contas fiscais, com um déficit primário de 0,6% em 2014. Além disso, as projeções desses indicadores não são brilhantes para os próximos anos. Segundo o último boletim Focus, teremos queda do PIB de 2,4% em 2015 e crescimento de apenas 0,5% em 2016; e inflação de 9,29% em 2015 e 5,6% em 2016, ambas ainda acima da meta de 4,5%. Já na parte fiscal, até mesmo o governo, a entidade mais otimista com a economia, teve de rever suas expectativas para baixo. O governo anunciou redução da meta para 0,15% do PIB este ano (de 1,1%) e, para coroar, enviou ao Congresso uma proposta de orçamento para 2016 na qual constava um déficit primário de R$ 30,5 bilhões.
Diante de um cenário catastrófico, algumas instituições financeiras já projetam aumento da nossa dívida pública. De acordo com um relatório recente do Itaú, a dívida pública bruta pode ultrapassar 70% do PIB em 2017.
E qual a consequência desse rebaixamento? Há quem diga que as agências de classificação de risco não servem para nada, que não previram a crise e deram notas boas a dívidas podres etc. Mas é bom lembrar que a maior parte dos capitais disponíveis para investimento (principalmente os de maior prazo) só pode ser alocada em papéis que recebem boas classificações de risco (grau de investimento). Volumes altos de investimento possuídos por fundos de pensão só podem, por estatuto, serem investidos em dívida chancelada pelas agências de risco como “boa”.
Quando conquistamos o grau de investimento, em 2008, tivemos um salto em investimento estrangeiro direto muito grande. Ao sermos rebaixados (graças à nossa incompetência fiscal), muitos dos recursos já investidos certamente sairão do país, trazendo péssimas consequências: abrupta desvalorização cambial com a saída de dólares da economia e, consequentemente, mais inflação, queda da bolsa de valores e encarecimento da dívida com taxas de juros de longo prazo maiores, dado o maior risco.
Ao contrário do futebol, não há angústia estampada nos nossos rostos com o atual rebaixamento. E, ao contrário do futebol, as consequências são bem mais profundas que um aninho só na Série B. Serão vários anos até reconquistar o acesso à elite.