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O desmonte da ciência e da pesquisa no Brasil

 | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
(Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo)

As universidades públicas brasileiras e o sistema nacional de pós-graduação em nível de mestrado e doutorado estão diante do maior ataque da sua história pelo governo Temer, que, aplicando o congelamento de investimentos por 20 anos, pode deixar milhares de professores e estudantes no Brasil e no exterior sem bolsas de estudos, desmontando assim a pesquisa básica e aplicada e destruindo a ciência brasileira.

O sistema atual de pós-graduação deu um salto extraordinário em meados da década de 1980, no governo Sarney. Em 1987 eclodiu a maior greve até então realizada nas instituições federais de ensino superior (Ifes), que durou 45 dias. Como resultado desse conflito, os professores conquistaram o atual plano de carreira docente baseado no mérito acadêmico, que exigia o título de mestre para ingressar na carreira como professor assistente e o de doutor para professor adjunto. Conseguiram a isonomia jurídica com o fim das fundações, transformadas todas em autarquias, acabando, assim, com o regime celetista. Para viabilizar o plano de carreira docente era necessário obter a titulação e raras universidades públicas fora do eixo Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul tinham cursos de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado).Tal situação inviabilizaria as conquistas do movimento docente naquela greve.

A estratégia do movimento docente liderado pelo Andes/SN, que comandou todas as greves desde o início dos anos 1980 em defesa da universidade pública, foi articular uma ação nacional estimulando os docentes a criarem cursos de pós-graduação stricto sensu nas universidades, jogando para a Capes a aprovação e financiamento dos cursos. A estratégia teve êxito total: em pouco tempo as Ifes expandiram e continuam expandindo os cursos de mestrado, doutorado e pós-doutorado.

Engana-se quem imagina que as medidas do governo Temer de congelamento dos investimentos públicos são por falta de recursos

Para se ter uma ideia da situação na época, a UFPR só tinha oito cursos de pós-graduação stricto sensu: Bioquímica, Ciências Geodésicas, História, Solos, Engenharia Florestal, Letras ,Genética e Zoologia. Hoje, tem 87 programas. Nessa época, sucedendo o reitor Riad Salamuni, estava o reitor Carlos Alberto Faraco, ambos eleitos diretamente pela comunidade acadêmica. Faraco atuou na expansão da pós-graduação, diante da dura realidade dos professores da UFPR, cuja maioria absoluta não tinha titulação. Os professores eram obrigados a cursar pós-graduação no exterior, ou em São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, viajando de ônibus. Era um quadro muito difícil, pois a Capes oferecia poucas bolsas e a universidade não podia dispensar os docentes das atividades acadêmicas por não ter recursos para contratar professores substitutos. Os professores que saíam para a pós-graduação gastavam do seu salário e tinham de arcar com toda a carga didática, que era pesada.

A realidade da UFPR foi mudando rapidamente.Em 1987, quando eu era chefe do Departamento de Economia, com o apoio do reitor Faraco conseguimos aprovar o primeiro curso de mestrado em Desenvolvimento Econômico, no Setor de Ciências Sociais Aplicadas, sendo acompanhado depois pelo curso de Administração e Ciências Contábeis. Para montar tais cursos, foi necessário buscar professores em vários cursos da universidade, pois tínhamos muito poucos doutores. Assim fez a maioria das universidades brasileiras, jogando sobre a Capes a responsabilidade de aprová-los para que a carreira docente fosse implantada, fazendo assim avançar a pesquisa e a produção científica.

Foi nessa luta que o Brasil se tornou o segundo sistema de pós-graduação implantado fora dos países desenvolvidos, tendo a Índia conquistado o primeiro lugar. Foi assim que o Brasil se projetou internacionalmente na ciência e na pesquisa nas várias áreas, obtendo autonomia no setor energético, energia elétrica e petróleo; nas telecomunicações; na energia nuclear, com a centrifugação do urânio; na aviação comercial, com a Embraer; na agricultura, com a Embrapa e pesquisas na área agronômica das Ifes; na área da construção pesada, com grandes obras de estradas, pontes e hidrelétricas; na saúde, com a produção de remédios, rompendo com o monopólio da indústria farmacêutica mundial, demos um salto espetacular na cura das doenças tropicais, do câncer e de tantas outras doenças.

Engana-se quem imagina que as medidas do governo Temer de congelamento dos investimentos públicos são por falta de recursos, pois esses sobram para dar benefícios fiscais à indústria e ao agronegócio, para a exportação de produtos agrícolas e para o pagamento de juros aos bancos, que consomem 47% do orçamento nacional. O que está por trás de tais cortes é o desmonte da ciência e da pesquisa nas instituições federais de ensino superior, responsáveis por 95% da produção científica no país, da indústria nacional e das estatais.

A Embraer já foi comprada pela Boeing, as petroleiras já compraram o petróleo do pré-sal, a maior empresa brasileira de energia elétrica foi a leilão, a Embratel já foi, o capital estrangeiro já está adquirindo as empresas educacionais no país e assim estão leiloando o Brasil, só faltando o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e a Petrobras, que, com a desvalorização que sofreu com a Operação Lava Jato, está pronta para ser leiloada a baixo preço. Estamos diante de um projeto internacional cujo objetivo final é a recolonização do Brasil. Sem ciência e produção tecnológica autônoma, o que nos impõe o capital internacional é sermos mero mercado consumidor das suas mercadorias e dos seus pacotes tecnológicos.

Por tudo isso, a atual mobilização das universidades públicas brasileiras contra essa sanha de desmonte é denunciar, resistir para garantir tudo que construímos em termos de ciência e tecnologia, para garantir a autonomia do país, para que nossas crianças e jovens tenham uma pátria da qual se orgulhar. Nosso reconhecimento aos professores aposentados e da ativa, aos técnicos administrativos e aos estudantes por continuarem essa luta em defesa da universidade pública.

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