O cenário que se desenha é de prudência, moderação e o espetáculo político que tanto contribuiu para manter o clima de satisfação terá de ser finalmente suspenso
É oficial: 87% dos chineses, 50% dos brasileiros e 45% dos indianos estão felizes com os rumos dos respectivos países, revela a edição de fim do ano do "Economist". Índice de bem-estar e felicidade são novidades no emaranhado de medições e parâmetros que regulam nossa vida, vontades e nos empacotam em grupos dos quais jamais sairemos.
Breve esses rankings substituirão os desabafos, confissões e até psicoterapias: "Não está feliz, senhor Li Xiaobo? Dane-se, deveria estar". Cadeia para o dissidente chinês, Nobel da Paz de 2010, que ousa ser cético e melancólico na contramão dos quase um bilhão e quatrocentos milhões de conterrâneos felizes da vida com a liberdade que gozam.
Frustrados com a sua comprovada incapacidade de prevenir bolhas e desastres, alguns economistas estão abandonando a econometria e passam a ocupar-se com a criação de estatísticas sobre subjetividades. Ao contrário de Freud que procurava entender os desajustados, estes pretendem liquidar os descontentes com a nossa civilização. Para isso contam com a inestimável ajuda de políticos empoleirados no poder, também de publicitários e comunicadores membros natos do Partido das Boas Notícias.
Quem não está satisfeito não compra, quem não confia no progresso não entra na fila para comprar a última geração de qualquer coisa e, assim, deixa de movimentar as engrenagens que conectam as máquinas registradoras com o Índice Nacional Felicidade (que, aliás, já existe no Butão). Não estamos longe do dia em que os angustiados serão trancafiados em campos de concentração para evitar que o seu subversivo pessimismo contamine a euforia da população.
Fim de ano é o Dia-D da ventura: proibido sentir preguiça, azia, mal-estar, dores de dente ou de mundo nada pode atrapalhar o culto da boa fortuna. Para nós, brasileiros, a cada quatro ou oito anos, esta Data Universal Gratulatória transforma-se no início da Era da Verdade quando os eleitos em outubro-novembro começam a materializar as promessas eleitorais.
Em 2002, a troca de inquilinos no Palácio do Planalto foi menos misteriosa. Lula, o sindicalista, era figura familiar, já concorrera duas vezes à Presidência e mesmo que, posteriormente, a temporada palaciana tenha exorbitado seus atributos, naquele momento não houve grandes surpresas.
Com o pouco que se conhece de Dilma Rousseff pode-se discernir uma personalidade reservada, avessa à exposição e ao exibicionismo, anti-narcisista, pouco dada à retórica e metáforas. Operadora, objetiva. Com traços tão diferentes do antecessor e, mesmo contando com uma equipe dele herdada majoritariamente, a nova presidente será obrigada a fazer reversões e re-arrumações. A gastança precisará ser contida, a pressão inflacionária precisará ser controlada, crédito e euforia comprista, idem.
Uma política externa voltada para valorizar o relacionamento com a China (como promete o assessor internacional Marco Aurélio Garcia) tornará os chineses ainda mais radiantes e os brasileiros menos. O cenário que se desenha é de prudência, moderação e o espetáculo político que tanto contribuiu para manter o clima de satisfação terá de ser finalmente suspenso por tempo indeterminado. O protagonista estará de licença.
Sem a dose quase diária de espinafração na imprensa, nos céticos e na oposição a temperatura baixará e, com ela, a animação. Nessas condições de "normalidade" felizes ficarão os infelizes, aqueles que se angustiavam com os disparates, arroubos, assombrosas comparações. Com o caudilhismo mantido a razoável distância este pode ser um ano novo.
Alberto Dines é jornalista
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