Após décadas de hegemonia esquerdista na política brasileira e do desastre causado pelo PT, abriu-se espaço, finalmente, para uma alternativa à direita, considerando-se aqui liberais e conservadores como representantes da tal direita. O trabalho intenso de divulgação pelas redes sociais das principais ideias que formam a base da doutrina liberal-conservadora teve importante contribuição também.
Chega-se, então, ao momento decisivo: as eleições. E é justamente aí que começam novos problemas. Para começo de conversa, o horizonte de muitos dos formadores de opinião não se limita a 2018. Eles lutam para construir uma mudança mais estrutural, para reverter a mentalidade estatizante predominante na população e para vencer a guerra cultural, não apenas a disputa eleitoral.
Para outros, tudo parece se reduzir ao pleito deste ano. Se a visão é mais míope ou não, há controvérsias, principalmente para quem acredita que, sem uma vitória agora, a esquerda pode voltar ao poder e todo o esforço até aqui estará perdido. Ou seja, considerando-se a hipótese de um Lula ou algum genérico vencer, o longo prazo estaria condenado, pois não faz sentido falar em futuro num país como a Venezuela, onde ele já foi morto.
Bolsonaro está longe de ser um bom representante do liberalismo, ou mesmo do conservadorismo
Para quem considera o risco de retorno do lulopetismo, a eleição é sem dúvida questão de vida ou morte. E, nesse caso, só há uma coisa racional a se fazer: apoiar o candidato que representa o oposto de Lula nesse aspecto, e que tem chances concretas de derrotar esse projeto socialista totalitário. Seu nome parece evidente: Jair Bolsonaro.
Só que Bolsonaro está longe de ser um bom representante do liberalismo, ou mesmo do conservadorismo. Sua postura está mais para autoritário estatizante, em que pesem as demonstrações de evolução quando a pauta é economia. A própria escolha de Paulo Guedes como potencial ministro demonstra isso. Oportunismo ou conversão sincera? Fica a dúvida.
Mas não é apenas essa dúvida que afasta muitos de sua candidatura. É também sua militância, que ficou conhecida nas redes sociais como “bolsominions”. São soldados fanáticos dispostos a tudo para defender o “mito”, inclusive ao uso de métodos bem semelhantes aos dos petistas, como assassinato de reputação com base em mentiras deslavadas.
Alguns alegam que se trata de uma minoria barulhenta, que não fala em nome do candidato. Não é bem assim. É uma parcela significativa dos que apoiam o capitão, ao menos nas redes sociais, e alguns são bem próximos dele ou de seus filhos. A “escolinha do professor Frota” tem produzido uma legião de militantes agressivos, desrespeitosos e cegos para qualquer crítica ou questionamento.
Do mesmo autor: Uma guerra de valores (13 de junho de 2017)
Leia também: Trump e Bolsonaro (artigo de Lucas Azambuja, publicado em 10 de dezembro de 2016)
Como Bolsonaro não tem partido grande por trás, nem tempo de televisão ou cabos eleitorais, não tem muito como abrir mão dessa militância voluntária. Mas eis o dilema que se apresenta: essa turma, cada vez mais estridente, mancha a imagem de toda a direita e afasta várias pessoas decentes de um possível apoio ao candidato. Só de imaginar que alguma figura ali possa ter cargo num eventual governo dá calafrios! Será que Bolsonaro teria controle sobre tais aliados? Resgato o alerta de Montaigne: “E sempre foi intento arriscado confiar ao desregramento de um exército vitorioso o cumprimento da promessa feita a uma cidade que acaba de se render por dócil e vantajosa capitulação, e logo de imediato deixar a entrada livre para os soldados. L. Emílio Régio, pretor romano, depois de gastar tempo tentando tomar pela força a cidade de Foceia, devido à singular perseverança dos habitantes em defender-se bem, fez com eles pacto de aceitá-los como amigos do povo romano e de entrar nela como em cidade confederada, tirando-lhes qualquer temor de ação hostil. Mas, ao introduzir consigo seu exército para exibir-se com mais pompa, não esteve em seu poder, por mais esforços que empregasse, refrear os soldados, e viu ante os próprios olhos devastarem boa parte da cidade, os direitos da ganância e da vingança suplantando os de sua autoridade e da disciplina militar”.
“Quem se vinga depois da vitória é indigno de vencer”, disse Voltaire. O foco será reconstruir o Brasil ou se vingar da esquerda? Para construir um novo país será necessário uma postura diferente, calcada em sólidos valores e ideias. Mas a nova moda desse pessoal é fazer uma campanha anti-intelectual, atacando o que chamam de “conservadores de biblioteca”. Ou seja, estudar sobre a filosofia conservadora seria algo ruim. Eles contrapõem isso ao “conservadorismo popular”, que seria quase inspirado em Rousseau e seu “bom selvagem”: são os ignorantes que efetivamente defendem os valores da direita. Estudar seria prejudicial ao movimento, por essa ótica bizarra.
Essa turma, cada vez mais estridente, mancha a imagem de toda a direita e afasta várias pessoas decentes de um possível apoio a Bolsonaro
Não nego que o elitismo “intelectual” pode ser perigoso. Tenho vários textos sobre os riscos das ideias abstratas, das ideologias paridas no conforto de escritórios por pensadores que perderam o elo com o povo, com o indivíduo de carne e osso, e vivem em suas torres de marfim. Mas, se é verdade que há o perigo do “intelectualismo”, também é verdade que a solução não está na ignorância voluntária, na noção de que o “povão”, com base apenas em emoções, deve liderar a “revolução”. Eis uma ideia jacobina, e sempre aparece um líder para incorporar o tal “povo”, tornando-se tirano.
O que fazer, então, com essa militância aguerrida, fanática, barulhenta, que lança mão de métodos nefastos para defender seu “time” e demonizar qualquer adversário, visto como inimigo mortal? Eis um problema novo na direita, e com que a esquerda já convive há mais tempo. Os pensadores decentes à esquerda – e eles existem – abominam esses radicais, enquanto os oportunistas enxergam neles um instrumento de intimidação para calar oponentes e chegar ao poder.
Chegar ao poder é fundamental para a direita também, por mais que seu projeto seja o de reduzir e descentralizar esse mesmo poder. Pragmaticamente falando, não é viável executar esse plano de fora do governo, o que cria novo dilema para liberais e conservadores. Mas vale tudo para chegar lá? Até mesmo sacrificar nossos principais valores? Não seria uma vitória de Pirro, com sabor de derrota? Se o foco for somente derrotar a esquerda, não há o risco de jogarmos o bebê do liberalismo fora junto com a água suja?
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