Os eleitores do Reino Unido decidem em junho, por referendo fadado a marcar o futuro do país e do continente, se continuam vinculados ao Tratado de Roma ou se saem da União Europeia. Repto da geografia e da história, o pertencimento britânico à Europa sempre foi questão a ponderar, nos dois lados do Canal da Mancha, como camuflado na dubiedade elegante da expressão “Europa continental”. Agora, a definição poderá vir com a contundência de uma fratura exposta, na escolha que incidirá gravemente na economia e na segurança comum.

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Engajado de forma resoluta na campanha pela permanência, como se fora estadista à la Churchill, o primeiro-ministro David Cameron enfrenta o lado mesquinho da pequena política, impondo à Alemanha e à França concessões generosas, o que lhe permite alguma esperança de vitória. Contra a permanência, o nacionalista Ukip, de Nigel Farage, alardeia desvantagens econômicas, com perda de empregos e de salários, somadas às decisões supranacionais que enfraquecem o Parlamento. O chamado Brexit tem na crise dos refugiados outro formidável apelo, a fazer o nacionalismo de ocasião refluir com força. Se Samuel Johnson tinha razão ao afirmar que o patriotismo é o último refúgio dos patifes, hoje, na Europa, diante da chegada de marés de imigrantes, chega a ser irresistível o argumento de fechar fronteiras e expulsar estrangeiros como forma de salvação nacional e de prevenção ao terrorismo.

O pertencimento britânico à Europa sempre foi questão a ponderar

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Embora o Reino Unido seja país peculiar da União Europeia, fora da zona do euro e do Espaço de Schengen, sem as obrigações absolutas de livre circulação de pessoas, ainda assim as pressões migratórias se agravam. Não só pelo drama da Síria, como pela aluvião de europeus do leste que acorrem ao Reino Unido em busca de suas benesses sociais.

Com estatísticas voláteis, em cenário que valoriza de forma inédita o referendo, a expectativa é de que nos próximos meses a questão se agudize, prevendo-se o mais concorrido dos pleitos, apesar do caráter facultativo do voto. Com consequências para o equilíbrio europeu, também verificam-se vozes que apregoam ser a saída britânica benéfica, da política ao comércio internacional, liberando o Reino Unido da dependência de Bruxelas, sem as amarras protecionistas e a rígida regulação comunitária.

A confirmar-se a deserção britânica, seria o primeiro caso da história, a emular forças eurocéticas em todos os países, curiosamente presentes nos discursos antieuropeus tanto de partidos de esquerda como de direita – sem contar os separatismos nacionais, como o dos catalães, que não querem ser espanhóis; ou dos escoceses, que querem ser só escoceses. Por certo, são todos esses ingredientes que levam Cameron à ofensiva, para sem qualquer fleuma afirmar que os britânicos não devem dar um salto no escuro e decidir de forma pragmática: “eu não amo Bruxelas, amo o Reino Unido, que a permanecer na União Europeia será mais rico e mais seguro”.

Jorge Fontoura, doutor em Direito, é analista de questões externas e de política internacional.