A grandiosa mensagem que o Brasil conseguiu enviar para o mundo na abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro representou, com doses de arte e talento irreparáveis, um oportuno sentimento de comunhão entre os povos. Um evento sem precedentes que festejou as diferenças, valorizou iniciativas de solidariedade, amparou a necessidade premente de cuidados com o nosso planeta e que teve como principais temas a conservação do meio ambiente e a preocupação com as mudanças climáticas.

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Num mundo em verdadeira convulsão, são cada vez mais raros os momentos de tamanha condição de congraçamento irrestrito que tivemos o privilégio e a honra de proporcionar. O Brasil, para surpresa de muitos, conseguiu agregar globalmente um senso comum de paz e de harmonia. O melhor da alma brasileira foi doada generosamente para todos os países do mundo numa festa inesquecível.

A manifestação permite concluir, afinal, que o sentimento pelo bem comum continua existindo. Está vivo, afinal, a despeito das incontáveis mazelas que atropelam e estão presentes muito intimamente em nossas vidas. O ceticismo, pelo menos momentaneamente, deu espaço a um valioso sentimento de esperança.

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Embora seja muito válida a tentativa de sensibilização que acabamos de assistir, a nossa condição real e crua não pode ser acobertada com mensagens ilusórias como o plantio simbólico de algumas milhares de mudinhas

Um contraponto ao ufanismo barato que pode diluir todo esse ambiente positivo é explorar melhor onde é que nos coloca em frontal incompatibilidade com esse fraterno sentimento de união e de harmonia. Sabemos bem quais são as práticas que não nos permitem avançar além de situações fortuitas, destituídas de engrenagens capazes de mudanças de direção. Há enormes pressões que, sistematicamente, nos levam ao oposto das virtudes tão precisamente assinaladas na abertura da Olimpíada.

Ao evocar a conservação da natureza como um compromisso de todos, o Brasil acusa uma flagrante posição de inconsistência. É demagógica a condição de amparar uma suposta virtude que pede maior responsabilidade com o patrimônio natural, ao mesmo tempo em que são crescentes as violências escabrosas contra a natureza em nosso país.

A mensagem da Olimpíada no Brasil não combina com a voracidade continuada na destruição de áreas naturais em nosso país. Nas descontroladas atividades de desmatamento, de caça e de extrativismo, com a contínua transformação de território sem o respeito mínimo à manutenção de espaços conservados, um direito das futuras gerações e uma obrigação que está sendo grosseiramente ignorada pela atual.

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Embora seja muito válida a tentativa de sensibilização que acabamos de assistir, a nossa condição real e crua não pode ser acobertada com mensagens ilusórias como o plantio simbólico de algumas milhares de mudinhas. De fato, somos todos eméritos destruidores e estamos em meio a uma longa guerra contra a natureza. E são muito claras as consequências advindas de tanta violência, além da ampla degradação já existente – com reflexos diretos na nossa qualidade de vida, em nossa economia. E pior ainda, no profundo comprometimento de nossos valores.

Políticos e gestores públicos corruptos, grupos setoriais truculentos e que se utilizam de práticas criminosas, cidadãos alienados e mal informados: são todos atores de um palco que não tem mais espaço de convivência com uma sociedade que queira realmente estabelecer novos parâmetros de desenvolvimento.

A qualidade incomum e preciosa da abertura da Olimpíada é um recado para que esses atores espúrios, grandes inimigos da sociedade e do planeta, se retirem de cena. Não existe mais espaço para eles por aqui, foi o que assinalamos dias atrás.

Clóvis Borges é diretor executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS)