Recursos do fundo da Lava Jato, provenientes de multas acertadas pela Petrobras nos EUA, serão destinados para a Amazônia. Cerca de R$ 1 bilhão será alocado à União e R$ 430 milhões serão executados pelos governos de estados da região amazônica. É válido perguntar o que isso significa para a região: será apenas um curativo band aid sobre o boom do desmatamento e das queimadas em 2019? Ou poderá se configurar em um ponto de virada no sistema de incentivos à ação pública?
A resposta depende do quanto os atores centrais – governos federal e estaduais – irão canalizar esse recurso para realizar as medidas comprovadamente eficazes e a seu alcance para conservar a floresta. De antemão, é possível antecipar uma conclusão. Uma injeção única de recursos não vai dar a resposta desejada por 93% dos brasileiros, que querem que Bolsonaro trabalhe para manter as nossas florestas em pé, segundo pesquisa recente do Ibope.
Também há dúvidas de que injetar esses recursos sem o devido suporte de um bom planejamento da política antidesmatamento vá produzir os efeitos necessários. Os estados procuram avançar, neste momento, nessa direção de colaboração e sinergias. Mas falta capacidade e até recursos humanos para dar corpo ao Consórcio de Governadores da Amazônia, que se insinua como a plataforma mais promissora de atuação dos estados, ainda que incipiente.
Diversas avaliações econômicas sobre o fenômeno do desmatamento indicam que sua contenção gera uma externalidade positiva para o Brasil e do mundo. Por outro lado, o desmatamento gera alguns poucos benefícios de curta duração aos desmatadores.
O dinheiro da Lava Jato poderá aliviar os bloqueios orçamentários às ações de prevenção e controle do desmatamento
Sabemos que reprimir ilegalidades e promover alternativas econômicas são remédios eficazes para alterar essa equação no plano local. No entanto, é preciso alinhar incentivos e desincentivos econômicos para se fazer frente ao problema, no âmbito federativo.
Precisamos que os governantes assumam seus papéis estratégicos na política pública, compensando até alguns incentivos eleitorais e econômicos que atuam em favor da leniência no controle do desmatamento.
Como isso pode ser feito? Transformando essa "dose única" de recursos oriundos da Lava Jato em um sistema que remunere os benefícios da conservação e eleve os investimentos e esforços relacionados à conservação da floresta em detrimento de outras atividades não sustentáveis.
O que falta à agenda pública na Amazônia – e no Brasil em geral, considerando o meio ambiente – é a pactuação de metas e a premiação das melhores gestões. Para resolver isso agora, é fundamental criar as bases de um sistema de política ambiental, à luz dos sistemas únicos de saúde (SUS) e de assistência social (Suas), os quais têm fontes permanentes de recursos.
O governo federal descentralizou responsabilidades, mas não distribuiu recursos para estados e municípios responderem às suas competências a partir da Constituição Federal de 1988 e, recentemente, da descentralização do licenciamento ambiental. Mesmo que um prefeito ou governador esteja disposto a arcar com o ônus político gerado por uma ação de contenção do desmatamento, ele se defronta com a falta de estrutura e de recursos financeiros dos órgãos fiscalizadores e licenciadores estaduais e municipais.
Criar um sistema perene em que recursos são repassados quando os entes cumprirem metas pactuadas sobre suas responsabilidades constitucionais, de modo simples e automático, pode conferir a transparência e a potência necessárias à gestão ambiental federalizada. Não se trata de um fundo, mas de um sistema, com base orçamentária. É preciso ir além da disponibilidade financeira para acordar padrões de qualidade das políticas ambientais.
- O índio precisa ser realmente dono de sua terra (artigo de Marco Poli, publicado em 2 de setembro de 2019)
- O fogo na Amazônia e os discursos de internacionalização (artigo de Douglas Castro, publicado em 4 de setembro de 2019)
- Amazônia: debate com muito fogo, mas pouca luz (editorial de 23 de agosto de 2019)
No caso do desmatamento, estabelecer um mecanismo desse tipo seria ainda mais simples se utilizados os dados da série histórica do Inpe de 1988 até hoje para a região amazônica. Não sujeito à maquilagem de dados, um sistema de transferências intergovernamentais poderia premiar os governos mais eficientes em reduzir o desmatamento, estimular a concorrência entre os diferentes governos e simplificar a fiscalização contábil. Funcionaria com métricas já conhecidas de mensuração do sucesso dessa agenda, como a taxa de desmatamento do Prodes e o total de hectares de florestas nativas conservadas. Seria possível, ainda, agregar indicadores de boa gestão à equação de distribuição das transferências: quem conservar mais e melhor terá bônus; quem não fizer a lição de casa não perde, mas tampouco ganha.
Essa é uma agenda que depende do Congresso Nacional para avançar legalmente, mas que pode se valer do peso da Lava Jato e do STF para avançar institucionalmente e conferir aos estados um peso vivo na equação de proteção das florestas.
Por agora, o dinheiro da Lava Jato poderá aliviar os bloqueios orçamentários (do teto de gastos e da recessão fiscal) às ações de prevenção e controle do desmatamento. Se costurada uma pactuação pública ampla e orientada pela visão de longo prazo de se dar fim ao desmatamento ilegal, ele pode, sim, se configurar em um ponto de virada para o desenvolvimento sustentável da Amazônia e do país.
Natalie Unterstell é mestre em Administração Pública pela Universidade de Harvard e fundadora da Talanoa.
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