A nova polêmica do “cringe” nos traz, ainda mais, a necessidade urgente de repensar o direito sob a ótica da atualidade inovadora. O movimento de inovação tecnológica ganha gradualmente e, por vezes, drasticamente espaço no universo jurídico e as novas gerações exigem mudanças de conceitos e ideais antiquados, buscando integrar a realidade fática social com a previsão teórica e aplicação prática das normas que regulamentam a estrutura social brasileira. Entretanto, a lentidão dos aplicadores do direito em alinhar a inovação tecnológica com os institutos que conduzem a atuação jurídica impossibilita, fatalmente, que estes aspectos andem de mãos dadas, causando uma relação incômoda entre os conceitos de direito e obsolescência.
É fato que a geração Z, propulsora do em voga “cringe”, se distingue drasticamente dos Millennials (ou Geração Y) e, ainda mais, das gerações anteriores, não somente pelos acontecimentos mundiais que cada geração vivenciou, mas especialmente pelo seu ideal de propriedade. Enquanto os Millennials vivenciaram a transformação do mundo “não digital” e toda a ascensão para a era tecnológica, por meio da despedida da internet discada e entrada do wi-fi, do adeus às locadoras e chegada da Netflix, sendo os efetivos pioneiros da internet, a Geração Z e, ainda mais, a Alpha dão o primeiro suspiro de vida em um mundo já digital.
É fato que os Millennials foram aqueles que deram o primeiro passo à digitalização mediante a produção dos primeiros computadores, games, redes sociais e e-mails, sendo a Geração Z, no entanto, responsável pela dinamicidade dessas relações e desenvolvimentos, criando um conceito, antes impensável, de agilidade de transformação social. Claramente, utilizando-se da tecnologia como um elemento imprescindível e facilitador do cotidiano, a Geração Z impulsionou a economia em nível mundial, diante de um giro de 180 graus nos parâmetros de produção e consumo que impactou todo o mercado econômico e, dentre estes, o setor imobiliário e urbano.
A mudança de paradigma tem como base uma característica própria dessa e das subsequentes gerações: o desapego, ideia essa que ainda está em desenvolvimento e é alvo de busca constante para os denominados Millennials. Já obrigatoriamente adaptados à superação do antigo ideal dos Baby Boomers, intrinsecamente caracterizados pela busca do sucesso profissional precoce e, consequentemente, conquista da casa própria e construção familiar antes dos 30 anos, os Millennials caminham de forma distante dessa visão, mas ainda encontram uma longa trilha até o desapego característico da Geração Z.
Diante da evidente preferência desta geração pelos padrões de propriedade e consumo alinhados a esse desapego, é gritante a necessidade de o mundo jurídico se adaptar à nova realidade geracional. Essa necessidade de adaptação se amplificará na realidade que será enfrentada quando os Alphas, ainda mais dinâmicos que a Geração Z, alcançarem cargos de liderança e posições de destaque no mundo jurídico, trazendo inovações por enquanto impensáveis.
A mudança nos padrões de propriedade das novas gerações pode ser percebida por diversos aspectos. Como exemplo, destaca-se a priorização pela locação de imóveis em vez da compra, garantindo a possibilidade de mudança de bairros, cidades ou até países, a depender das possibilidades profissionais que se apresentam ou, tão somente, da instabilidade de vontades que também é característica da dinâmica Geração Z. Nota-se, ainda, a opção cada vez maior pelo “uber” ou, ainda, pelo “leve”, em vez da aquisição de um carro; pela realização de reservas de hotéis, casas ou microespaços por curtos períodos de tempo, de forma imediata e prática por meio dos aplicativos.
É exatamente nesse âmbito que não surpreende o movimento das atualmente denominadas “proptechs” e a ampla discussão que essa inovação no Direito Civil está trazendo, diante do gap gerado pela agilidade das inovações e vagar do direito. A mudança de uso da propriedade de forma nômade, tão característica da Geração Z, alinhada à inovação tecnológica inerente à atualidade, trouxe à tona diversas problemáticas envolvendo o direito no mercado imobiliário.
Tornando de forma ainda mais clara a já evidente obsolescência do universo jurídico, a dinâmica da atual discussão que envolve o AirBNB, por exemplo, destacou a necessidade de mudança dos conceitos tradicionais que envolvem o Direito Civil. Com a chegada dos smart contracts, assinaturas eletrônicas, softwares em nuvem e dos mais diversos aplicativos e formas de interação digital, perdem espaço aqueles conceitos extremamente fechados, demandando uma substituição por ideais mais flexíveis em um mercado jurídico costumeiramente resistente às mudanças e adaptações.
Ainda longe do fim, a discussão do AirBNB paira pela definição de conceitos fechados de relação locatícia, de hospedagem ou existência de prestação de serviço, entre outros inúmeros institutos jurídicos que integram o debate atual. Para facilitar o entendimento do tema, vale esclarecer que as definições dos institutos jurídicos aplicáveis a determinados assuntos constituem norte para a interpretação de casos concretos pelos aplicadores do direito. Por essa razão, tal definição é medida de start para um fundamentado entendimento jurisprudencial ou doutrinário de qualquer tema do universo jurídico.
Entretanto, a ausência de unicidade de entendimentos e os mais diversos pareceres emitidos por sujeitos renomados no âmbito jurídico e, ainda, bem fundamentados, sob os mais alternativos pontos de vista sobre a dinâmica do AirBNB destacam uma clara necessidade dos juristas de abraçar novos institutos híbridos e atípicos e, quiçá, torná-los típicos. Vale dizer, no entanto, que os juristas são a soma de diversas gerações que, tais como os Millennials, ainda caminham para o desapego e buscam, ainda que com certa timidez, não serem taxados de “cringe”.
Gabriella Consoli Machado é advogada especialista em Direito Civil e Processual Civil e pós-graduanda em Direito Contratual, com experiência no setor de expansão imobiliária.
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