A partir da crescente digitalização das atividades laborais nos meios corporativos – impulsionada ainda mais nos últimos dois anos pela pandemia e diante da adoção, por parte do mercado, dos regimes híbrido e de home office –, novas discussões relacionadas ao direito de privacidade no ambiente de trabalho têm surgido no ambiente de negócios brasileiro e global.
O fato é que, independentemente do cenário e das mudanças nas relações profissionais recém-estabelecidas, são mantidas a empregadores e empregados as obrigações e direitos habituais no que tange à ética, respeito e profissionalismo.
Dito isso, vale destacar que a legislação trabalhista brasileira não discorre, de forma específica, sobre questões acerca da intimidade e privacidade da pessoa física nos ambientes de trabalho.
Já a Constituição Federal, por sua vez, discute esses termos de maneira genérica, assegurando que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”, conforme presente no artigo 5º, inciso X do documento, sem, todavia, abordar mais diretamente questões propriamente relacionadas à intimidade e privacidade no ambiente de trabalho.
Em essência, as abordagens jurídicas mais recentes voltam-se para o conceito e os direitos – também presentes na Constituição Federal – relativos à dignidade de um indivíduo como pessoa humana, esteja ele presente ou não em um ambiente de trabalho.
Foi o caso, por exemplo, de julgamento recente em que a 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu em favor de um empregado que teve arquivos pessoais copiados de um notebook próprio que utilizava para trabalhar em uma mineradora paraense. Alegando, justamente, danos psicológicos e à dignidade do profissional, foi estipulada indenização, com a ressalva, dada pela relatora do caso, de que o profissional também deveria ter protegido sua privacidade e não utilizado computador pessoal na empresa, razão pela qual a indenização foi cortada pela metade.
Dentro dessa discussão, é importante considerarmos também que o advento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a partir de 2018, trouxe novas disposições relacionadas ao tratamento de dados e informações pessoais, sendo imperativa no que tange o direito e respeito à privacidade – não obstante a ausência de determinações mais específicas aplicadas ao ambiente de trabalho.
Em seu artigo 2º, incisos I, II e IV, o documento versa que “a disciplina da proteção de dados pessoais tem como fundamentos”, respectivamente, “o respeito à privacidade [...] à autodeterminação informativa (e) [...] a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem”.
Dentro do contexto das relações de trabalho, a autodeterminação informativa ganha importância, por ser compreendida como uma forma de entregar ao cidadão o controle, posse e propriedade sobre seus próprios dados.
Isso porque, nas relações de trabalho, o tratamento de informações de empregados é constante em todas as etapas da contratação, desde o momento de seleção dos candidatos até o término do contrato de trabalho, compreendendo, assim, não apenas dados pessoais, mas também os considerados sensíveis – cujo tratamento está estipulado nos artigos 7º e 11º da LGPD, respectivamente.
Para o seu portador, torna-se essencial o conhecimento sobre como essas informações estão sendo coletadas, armazenadas e utilizadas, e a garantia de que os contratos de trabalho também se refiram a questões relacionadas à gestão de dados.
Na falta de especificações determinadas pela legislação brasileira – o que inclui, além da Constituição e LGPD, as normas vigentes da CLT –, é fundamental que as empresas estabeleçam políticas claras e explícitas de comportamentos e sejam transparentes em relação ao que consideram aceitável ou não dentro do ambiente de trabalho.
Ademais, é importante que seja comunicado a todos os empregados, qual o tratamento da empresa em relação aos dados pessoais de seus colaboradores, bem como o detalhamento e justificativa do uso de dados tão sensíveis para cada empregado
Naturalmente, é necessário que as organizações estejam constantemente atualizadas nos termos da lei, busquem suporte jurídico e entendam seus deveres e direitos, com códigos de conduta e ética respaldados pela transparência corporativa e por contratos aceitos em comum acordo entre empregadores e empregados. Além disso, novas práticas, principalmente aquelas relacionadas à atividade digital, também devem ser disseminadas nas companhias, por exemplo, o treinamento das equipes responsáveis pelo tratamento de informações pessoais dos empregados.
Dessa forma, é possível estabelecer um modus operandi a ser seguido – e antecipar, inclusive, estratégias para a contenção de um eventual uso inapropriado de dados –, dentro de novas técnicas de compliance que podem ser implementadas pela empresa.
Em um cenário como o que se apresenta, o bom senso e a construção de diálogo de ambas as partes envolvidas são fundamentais para que as relações de trabalho sejam construídas com clareza, transparência e respeito. É imprescindível, portanto, que se encontre um equilíbrio entre os dois lados, de modo que direitos, interesses e deveres coexistam harmonicamente.
Dhyego Pontes é formado em Direito e possui pós-graduação em Direito do Trabalho e atua como consultor trabalhista e previdenciário na Grounds.
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