Fui expulso da Venezuela em 26 de fevereiro, após uma entrevista conturbada com Nicolás Maduro, o homem forte do país. Ele se levantou no meio da conversa e seus seguranças confiscaram nossas câmeras, cartões de memória e celulares. Sim, Maduro roubou a entrevista para que ninguém pudesse vê-la.
Marcamos o encontro à moda antiga, com um telefonema e um pedido. Uma produtora da Univision, canal de tevê em que trabalho desde 1984, entrou em contato com o ministro das Comunicações, Jorge Rodríguez, e perguntou se Maduro estaria disposto a conversar. O líder disse que fôssemos a Caracas – e foi o que fizemos, com a documentação oficial em mãos.
A entrevista teve início na noite de 25 de fevereiro, com três horas de atraso, no Palácio Miraflores. Minutos antes, Maduro tinha falado com Tom Llamas, da ABC News, e parecia estar de bom humor. A ajuda humanitária que a oposição tentara levar para o país através das fronteiras com o Brasil e a Colômbia, com a ajuda de uma coalizão internacional, tinha sido bloqueada, e o presidente se sentia mais forte, mais ousado. Aquele deveria ser um dia bom.
Mas não foi. A primeira pergunta que lhe fiz foi se deveria chamá-lo de “presidente” ou “ditador”, como muitos venezuelanos vêm fazendo. Confrontei-o sobre as violações dos direitos humanos, os casos de tortura denunciados pela Human Rights Watch e a existência de prisioneiros políticos. Questionei sua afirmação de ter vencido as eleições presidenciais de 2013 e 2018 sem fraude e, o mais importante, suas afirmações de que a Venezuela não estava passando por uma crise humanitária. Foi quando abri meu iPad.
Membros da agência de inteligência do governo isolaram o prédio, de modo que não podíamos ir embora
Na véspera, eu gravara no celular três jovens procurando comida na parte traseira de um caminhão de lixo em um bairro pobre, bem próximo do palácio presidencial. Mostrei as imagens a Maduro, cada quadro contradizendo sua narrativa de uma Venezuela próspera e progressista, 20 anos após a revolução. Então ele perdeu o controle.
Dezessete minutos depois do início do bate-papo, Maduro se levantou, tentou bloquear as imagens no meu iPad de uma forma no mínimo cômica, e declarou que a entrevista estava encerrada. “Quem faz isso é ditador”, eu lhe disse.
Segundos depois da saída de Maduro, Rodríguez, o ministro, me disse que seu governo não tinha autorizado a entrevista e mandara os seguranças confiscar as quatro câmeras e outros equipamentos da minha equipe, além dos cartões de memória nos quais graváramos a conversa.
Alguém gritou a ordem de me tirarem do palácio presidencial imediatamente, mas, em vez disso, dois agentes me levaram para uma saleta, onde exigiram que eu entregasse meu celular e revelasse minha senha. Tinham medo de que eu tivesse feito o áudio da entrevista e não queriam vazamentos. Mas me recusei a obedecer.
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Em seguida, minha colega María Martínez, uma das melhores produtoras do país, foi literalmente jogada na mesma sala. Para frustração dos homens, ela conseguira fazer uma ligação rápida para o presidente da Univision News, que alertou o Departamento de Estado e várias agências de notícias para o que estava acontecendo. Soube depois que o resto do nosso grupo – cinco funcionários da Univision – tinha sido levado para a sala de imprensa e, depois, para um ônibus do governo.
Ainda na pequena sala, alguém apagou todas as luzes e um grupo de agentes entrou e pegou meu celular e minha mochila à força. Reviraram furiosamente meus objetos pessoais e me revistaram dos pés à cabeça. María passou pela mesma experiência humilhante, mas com uma mulher. Perguntei se estávamos sendo presos; disseram que não, mas não nos deixaram sair dali.
Até que, finalmente, mandaram que María e eu nos juntássemos aos nossos colegas no ônibus. Disseram que queriam nos levar de volta ao hotel, mas, novamente, recusei. Àquela altura já temíamos por nossa segurança e a possibilidade de sermos levados para um centro de detenção ou lugar pior.
Fomos levados para a rua; Rodríguez saiu para reclamar da entrevista e da forma como agimos. Eu lhe disse que era nossa função fazer perguntas e que eles tinham roubado nossa entrevista e nosso equipamento. Mais tarde percebemos que, a essa altura, os primeiros relatos de nossa detenção já estavam sendo publicados. Não poderiam mais mantê-la em segredo. Eram 21h30, e já fazia mais de duas horas que a entrevista fora encerrada.
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Nosso motorista, que até então estivera esperando em uma das travessas próximas, de repente apareceu. Nesse momento, as mesmas pessoas que tinham nos detido passaram a querer que saíssemos dali, e rápido. Foi o que fizemos.
Entramos no carro e voltamos para o hotel. Membros da agência de inteligência do governo isolaram o prédio, de modo que não podíamos ir embora. Algumas horas depois, um funcionário da Imigração veio nos informar que, pela manhã, seríamos expulsos do país. Por volta da uma hora, alguém que se descreveu como “capitão” – na verdade, um dos homens que me detivera no palácio – veio ao meu quarto para devolver meu celular em um saco plástico. Tudo o que havia nele tinha sido deletado. Imagino que tenham primeiro fuçado para ver o que poderiam achar/aproveitar.
Tivemos só um gostinho do assédio e da violência que os jornalistas nativos vêm sofrendo há anos. Temos dois venezuelanos na equipe – o correspondente Francisco Urreiztieta e o cinegrafista Edgar Trujillo –, que teriam enfrentado perigos terríveis se tivessem ficado no próprio país. Por sorte, todos voltamos em segurança para Miami, mas fomos forçados a deixar nossas câmeras e o registro da entrevista para trás.
Do que Maduro tem tanto medo? Ele deveria divulgar nossa conversa para o mundo ver. Se não o fizer, só terá provado que está se comportando exatamente como um ditador.
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