A China tem tido crescimento industrial, tecnológico e comercial exponencial nos últimos 30 anos, o que leva sua economia a equiparar-se à dimensão do poderio econômico dos EUA. Esse crescimento leva-nos a construir dois cenários básicos.
De um lado, uma situação de cooperação entre as duas economias, que se consolidariam como parceiras. A dimensão do comércio China-EUA, os investimentos americanos na China e o grande investimento chinês em títulos do governo dos Estados Unidos mostram que já existe uma simbiose que pode prosperar. De outro lado, poderemos ter um cenário de rivalidade, cujos sinais são a preocupação americana com os avanços chineses nos campos tecnológico, industrial e comercial. Ademais, a China tem reforçado aceleradamente sua estrutura militar. De sua parte, os americanos têm buscado aperfeiçoar sua posição estratégica na Ásia para contra-arrestar o incremento bélico chinês.
A preponderância do cenário de rivalidade poderia levar a uma macroestrutura internacional de bipolaridade, mitigada pela existência de outras potências como o Reino Unido, a França e a Rússia, capazes de projetar globalmente seu poder. Esses Estados coexistirão com potências regionais como a Índia, que tem estreitos laços com a Rússia; a África do Sul; e o Brasil, na América do Sul. Ademais, temos o Egito, a Turquia, o Irã e a Indonésia. Embora com economia avançada industrial e tecnologicamente, o Japão tem limitada capacidade militar desde o fim da Segunda Guerra. A Alemanha merece atenção específica. País desarmado desde a Segunda Guerra, decidiu-se agora, no âmbito da guerra Rússia-Ucrânia, a aplicar 2% do PIB em defesa. Tendo em vista a dimensão de sua economia, a Alemanha será, em pouco tempo, pelo menos uma potência regional, e buscará libertar-se das amarras causadas pela derrota na guerra de 1939-1945.
Uma aliança sino-russa sólida e próxima é preocupante para as potências ocidentais
Trata-se de cenário complexo, que poderá ser ainda mais complicado se tivermos uma coalizão duradoura e firme entre a China e a Rússia. Potências que estiveram no mesmo campo durante a Guerra Fria, tiveram atritos nas décadas de 1960, por razões ideológicas, e de 1970, por disputas fronteiriças. Desde então têm estado próximas. Em 4 de fevereiro de 2022, antes da invasão da Ucrânia, o presidente Vladimir Putin visitou a China. Em reunião com seu homólogo chinês, foi emitido um comunicado conjunto em que se declarou que os dois países têm “uma parceria estratégica sem limites” e foram assinados vários acordos, inclusive um compromisso de fornecimento energético para a China.
No âmbito da invasão da Ucrânia pela Rússia, os norte-americanos já intensificaram seus laços (antes esgarçados) com a Europa, em iniciativa que parece duradoura.
No entanto, à China, superpotência emergente, interessa estabilidade internacional que lhe permita consolidar sua expansão comercial e tecnológica, bem como militar. Tem enorme interesse no mercado europeu, e seu programa de infraestrutura “Belt and Road”, também chamado de “Rota da Seda”, já se firmou no continente europeu. Ademais, a China não deseja que se disturbe o fluxo mundial de alimentos, mercadorias, minerais e energia. Esses interesses explicam a cautelosa posição chinesa de não se envolver demais no conflito russo-ucraniano.
Uma aliança sino-russa sólida e próxima é preocupante para as potências ocidentais, ao representar uma frente unida de dois Estados que têm uma tradição de antagonismo em relação ao Ocidente. Essa preocupação já se manifestara em 1972, em plena Guerra Fria, com a viagem do presidente dos EUA Richard Nixon à China, planejada e preparada pelo professor Henry Kissinger. Buscava-se colocar uma cunha no bloco comunista, liderado pela União Soviética, estabelecendo uma fissura que rompesse a frente unida antiocidental.
A invasão da Ucrânia faz-nos recordar o artigo clássico de 1905 do autor inglês Halford John Mackinder, The Geographical Pivot of History. Mackinder procura demonstrar sua teoria dizendo que quem domina a Eurásia, que considerava o centro estratégico da Terra, controla o mundo. Acrescentava Mackinder que quem controla o centro e o leste da Europa controla a Europa e a Ásia. Embora a história não tenha comprovado a tese geopolítica de Mackinder, é inegável que ela chamou atenção para a importância estratégica da região central europeia. Juntas, a China e a Rússia podem dominar a Eurásia.
Márcio Florêncio Nunes Cambraia é embaixador e especialista da Fundação da Liberdade Econômica.
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