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Opinião do dia 1

O enigma do papado

Muitos dos que acompanharam, há um ano, a explosão de veneração e carinho pelo falecido Papa João Paulo II, e agora, num fenômeno registrado pela prefeitura de Roma, surpreendem-se com as multidões crescentes que saúdam Bento XVI (150 mil fiéis foram ouvir sua recente mensagem " Urbi et Orbi" – para a cidade e para o mundo), ficam perguntando-se pelo enigma dos numerosos católicos que, ao mesmo tempo que manifestam um sincero afeto e uma comovida adesão ao Papa, parecem recusar ou contornar os seus ensinamentos em questões morais de candente atualidade, como as relativas à família, à sexualidade e à bioética. Será fracasso do Papa? Será obstinação na defesa de valores ultrapassados?

Talvez essa perplexidade e esse aparente fracasso não sejam senão um "claro enigma", como diria Drummond, se refletirmos pelo único ângulo que torna compreensível um Papa: a perspectiva da fé.

O que move e comove multidões, a começar pelos católicos – com manifestações de adesão entusiasmada que deixam pasmado o mundo – é, acima de tudo, a evidência de que o Papa é um homem de fé, que vive e prega em plena coerência com a verdade cristã em que acredita, e que, sendo ou não compreendido, jamais abdica do seu dever de trazer ao mundo e, em primeiro lugar, aos católicos, o "esplendor da verdade".

Se os papas procurassem o "sucesso" – que parece ser a medida suprema da realização para os que tudo medem pelos ibopes –, bastaria que, esquecendo-se da verdade, se tivessem bandeado pouco a pouco, como fazem certos teólogos, para os "novos valores" (em linguagem cristã, "contra valores") que cada vez mais tentam dominar o mundo.

É patente que, na hora atual, vivemos numa encruzilhada histórica em que são incontáveis os que parecem andar pela vida sem norte nem rumo, entre as areias movediças do relativismo e os nevoeiros do niilismo. O Papa teve sempre plena consciência dessa situação, e, em vez de sentir a tentação daqueles teólogos que aspiram aos afagos do mundo, para dele receber diploma de "modernos" e "progressistas", o Papa dá, diariamente, a vida pela verdade que pode resgatar este mundo, sem se importar minimamente com que o chamem de retrógrado, conservador e desatualizado.

Ou será que querem um Papa que deixe de ser cristão para ser melhor aceito? Pretendem que, perante esse deslizamento do mundo para baixo, com a glorificação de todas as aberrações ideológicas e morais, o Papa exerça a sua missão acompanhando a descida, cedendo a tudo e limitando-se a um vago programa socioecológico, a belos discursos de paz e amor, e a um ecumenismo em que todos os equívocos se podem abraçar e congraçar, porque ninguém acredita mais em coisa alguma, a não ser em "viver bem"?

E os católicos? E os jovens católicos que vibram com o Papa Bento XVI e depois seguem a onda da cultura hedonista e consumista, arrastados pela correnteza da sexualidade exacerbada e prematura, da covardia perante o sacrifício exigido pela fidelidade, da concessão à experiência das drogas? Que dizer desses católicos? Não há aí um fracasso?

Uma resposta válida, mas excessivamente simplista, seria a de dizer que são filhos do seu tempo. Uma resposta mais profunda exige algo mais, ainda que seja doloroso recordá-lo. Várias gerações de jovens católicos foram traídas por muitos daqueles que, detendo a autoridade educativa na Igreja, se deixaram enfeitiçar pela embriaguez da "modernidade" e, no anseio de "dialogar com o mundo moderno", a única coisa que fizeram foi capitular diante dos equívocos do mundo, e deixar os jovens a eles confiados, mergulhados num mar de incertezas e confusões, jejuns de doutrina e órfãos de virtudes cristãs. É pesada fatura que, sem dúvida, pesa na consciência de muitos eclesiásticos, padres, bispos, arcebispos e cardeais.

Ao contrário dos "vencidos da vida", que querem curar a doença mergulhando mais a fundo nela, o Papa atual, como o fizeram seus antecessores e, sem dúvida, o farão os seus sucessores, entrega-se, sem pausas nem cansaço, à missão de erguer muito alto o facho da verdade cristã, como luz clara, inequívoca, inabalável, difícil mas possível, que oferece o único referencial autêntico pelo qual, mesmo sem o saber, os corações de milhões de homens e mulheres anseiam. Essa atitude autêntica, estou certo, explica a explosão mundial de admiração e afeto em torno da figura do Papa.

Carlos Alberto Di Franco é diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, e diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia.

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