O mundo caminha para a consolidação do ensino híbrido, modalidade que combina tanto o docente em sala de aula, orientando e expondo conteúdos aos alunos, quanto o aluno complementando esses estudos remotamente em plataformas digitais ou em outras formas de ensino não presencial.
Nas instituições de ensino superior (IES), ainda existem resquícios da falsa dicotomia entre educação virtual e presencial, porém mais bem superada do que na educação básica. Muito em breve essa visão deve desaparecer, pois são modalidades complementares: é ensino-aprendizagem e... ponto. Nesse sentido, a partir da Portaria do MEC de 31 de dezembro de 2018, até 40% do conteúdo da carga horária de um curso superior presencial pode ser a distância – antes esse limite era de 20%. Evidentemente, há regramentos e limites, em especial para os cursos da área de saúde.
Mais recentemente, com a pandemia da Covid-19, a mesma evolução se impõe também para a educação básica: o Conselho Nacional de Educação intensamente sugere (e boa parte dos Conselhos Estaduais de Educação normatizou) a implementação do ensino híbrido no biênio 2020/21, o denominado continuum. Porém, excluído esse período de excepcionalidade, o que temos para a educação básica – na verdade, tão somente para o ensino médio – é o limite de 20% para o conteúdo que pode ser ofertado a distância para o turno diurno e 30% para o noturno.
No entanto, até onde a vista alcança, o que se prevê para os próximos anos é a dilatação desses índices e até mesmo a permissão de se implementar o ensino híbrido inclusive para os anos finais do ensino fundamental. Afinal, os discentes de hoje são nativos digitais e em geral têm grande facilidade em dominar as novas tecnologias, sem que isso reduza em nada o quanto a presença do docente em sala é imprescindível para a qualidade do ensino.
Mas há, sim, uma mudança no papel, no perfil e na atuação deste profissional, o que gera uma recorrente e pertinente pergunta: e como fica o professor? Infelizmente, muitos bons didatas do passado, com suas aulas expositivas bem dadas, estão perdendo o emprego por não conseguirem o mesmo êxito em plataformas, linguagens e metodologias digitais. Nesse aspecto, valho-me de uma metáfora: os professores estão sendo convidados a embarcar em ônibus de ida, sem retorno. A maioria embarca e no caminho se capacita, se adapta, é darwinista e segue em frente, mas outros desembarcam ou são desembarcados.
A maioria dos docentes se sente despreparada para uma boa mediação tecnológica e muito apreciaria receber treinamentos na escola. É recomendável que a instituição de ensino, quando adentra ao universo do ensino on-line, se concentre inicialmente em ferramentas de menor complexidade, pois facilita a prática, a troca de experiências e o aprendizado para aqueles que se consideram – ou são considerados – dinossauros digitais. Nesse contexto, há aqueles docentes que se agigantaram e até montaram em casa um miniestúdio para as aulas remotas. Outros, tidos como ótimos didatas no presencial, não possuem fluência digital, tampouco desenvoltura e espontaneidade diante de uma tela para bem se comunicar com os alunos e as famílias. Mas há pelo menos mais uma boa notícia: uma recente pesquisa com professores constatou que 87% deles pretendem usar mais tecnologia ao retornarem às aulas presenciais. Isto posto, as transformações só se efetivarão se as escolas forem providas de boa conectividade, um dever de nossos governantes.
Conheci uma aluna da EJA (a modalidade de educação de jovens e adultos pode ser até 90% a distância) que se dizia uma dinossaura, essencialmente analógica. Para ela, celular era só para mensagens e ligações. Aos poucos, foi desenvolvendo as habilidades digitais, passou a usar o Google Classroom e outras plataformas, fez a sua rematrícula no aplicativo e hoje, feliz e autossuficiente, faz compras on-line, movimenta suas operações bancárias. “Faz meses que não vou à agência do meu banco”, diz ela.
No Brasil, temos hoje 1,7 milhão de matriculados em faculdades de licenciaturas (52% em cursos a distância) que disponibilizam ao mercado anualmente um grande contingente de professores em parte carentes de boa formação pedagógica e de uso das novas tecnologias educacionais – e aí está uma das principais razões do nosso combalido sistema educacional. Os calouros iniciam a licenciatura motivados e têm boa cultura digital, mas os cursos superiores de formação de professores, em sua maioria, não preparam adequadamente profissionais da educação para o ensino digital e para a nova fronteira que tem sido aberta com o ensino híbrido.
É importante lembrar, no entanto, que toda disrupção é alvo de controvérsias e falhas, e o ensino totalmente on-line, bem como o híbrido, não é exceção, recebendo também críticas, em boa parte merecidas. Mas, nesse caso, elas não deveriam estar voltadas à modalidade e sim às instituições de ensino que não ofertam oportunidades de boa capacitação aos seus professores e tutores, não disponibilizam materiais de apoio com boa didática e tampouco um Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) amigável e estimulante.
Num futuro não muito distante, grandes mudanças se efetivarão, abolindo-se o atual regime seriado com disciplinas herméticas e fragmentadas. E, especialmente no ensino superior, as universidades necessitarão de menos espaço físico, pois, em um ecossistema de inovação e ambientes virtuais mais didáticos que os atuais, os estudantes terão um aprendizado mais eficaz da parte teórica em um quarto silente de sua casa e irão ao câmpus para experiências em laboratório, práticas nas clínicas ou encontros focados em projetos e problemas com conteúdo assaz diversificado. As nações que estiverem na vanguarda dessa nova era educacional certamente colherão os bons e merecidos frutos econômicos e sociais.
Jacir J. Venturi é membro do Conselho Estadual de Educação do Paraná, foi professor e diretor de escolas públicas e privadas, e das universidades UFPR, PUCPR e Positivo.