A atual retórica do premiê Netanyahu em favor da paz é tardia e falsa. Chega a soar cínica. Se fosse verdadeira ele não teria permitido a ocupação do território palestino por assentamentos israelenses
O perturbado calendário histórico da Palestina ganhou nesta sexta-feira um importante adendo quando Mahmud Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestina, formalizou o pedido ao Conselho de Segurança da ONU para que reconheça o Estado palestino como membro pleno da comunidade internacional.
Recebido por um plenário majoritariamente favorável, o pleito palestino está envolvido por grandes expectativas porque no Conselho de Segurança enfrentará o veto certo dos Estados Unidos, ao qual poderão somar-se os da França e Inglaterra.
Este 23 de setembro nos remete obrigatoriamente ao marco inicial desse calendário: o 29 de novembro de 1947, quando o plenário da ONU presidido por nosso Oswaldo Aranha, depois de uma dramática votação (33 a favor, 13 contra e 10 abstenções), aprovou a proposta de Partilha da Palestina em dois Estados um árabe e outro judeu com o endosso ostensivo das duas superpotências, EUA e URSS (antiga Rússia).
Com 64 anos de atraso, um dos mais importantes líderes do mundo árabe acaba de legitimar a histórica Resolução 181 que já provocou seis guerras no diminuto e conturbado território conhecido como Terra Santa. A partilha da Palestina finalmente parece em via de se concretizar. Razão pela qual o Irã e os radicais islâmicos do Hamas e Hizbollah continuam negando-a.
O que nos leva a três perguntas cruciais. Se os EUA tanto se empenharam pela solução da Partilha da Palestina contrariando os interesses das grandes petroleiras americanas no Oriente Médio por que razão agora se opõem a uma resolução que em última análise consagra os seus compromissos com a criação e sobrevivência do Estado de Israel?
Se em 1947 as comunidades judaicas na Palestina e no resto do mundo rejubilaram-se com a decisão da Partilha, por que agora se opõem à sua complementação negando aos palestinos o status que o recém criado Estado de Israel obteve em 1949?
E, finalmente, se o presidente Barack Obama não esconde as suas simpatias pelo reconhecimento do Estado Palestino como primeiro passo para o apaziguamento do Oriente Médio, por que não consegue transformar suas convicções políticas e humanistas em ação política concreta?
Israel mudou: a coalizão de centro-esquerda que materializou o ideal sionista de retorno à Terra Prometida e produziu uma experiência política e cultural ímpar na história do mundo foi derrotada em 1977. E em 1995 foi espezinhada quando o general pacifista Itzchak Rabin foi assassinado pelas costas por um fanático religioso contrário aos acordos de Oslo e tudo o que significasse reconhecimento dos direitos palestinos e a ideia dos dois estados.
Os sonhos produzidos pela Partilha desvaneceram-se tanto pela intransigência das lideranças árabes e palestinas como pela arrogância fabricada pelas vitórias militares israelenses. A atual retórica do premiê Netanyahu em favor da paz é tardia e falsa. Chega a soar cínica. Se fosse verdadeira ele não teria permitido a ocupação do território palestino por assentamentos israelenses geralmente religiosos.
A diáspora judaica também mudou: não vota, nem escolhe os governantes do Estado de Israel, mas prefere vê-lo forte, invencível, marcada ainda pelo luto do Holocausto e a recorrência contínua do antissemitismo. A comunidade judaica dos EUA, a mais forte e influente no cadinho étnico do país, segue o paradigma que, nas eleições, ganha conotação absurda: em questões sociais e políticas vota com os democratas e progressistas, em política externa recusa liminarmente qualquer ação que signifique o enfraquecimento de Israel.
Em plena campanha eleitoral, fustigado pelo fanatismo religioso do Tea Party (fervoroso adepto de Israel), Barack Obama converteu-se em refém desta terrível trama bíblica. O espírito de 1947 poderia salvá-lo: dois Estados e fronteiras reconhecidas. Enfim, o equilíbrio. A convivência e a paz virão em seguida, inevitáveis.
Alberto Dines é jornalista.