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O esporte só será mais limpo quando for mais transparente

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(Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo)

Ele estava meio sumido. Com elevada estatura e um passado de negociações com quase todos naquele meio, é difícil ele circular sem ser reconhecido, sem ser cumprimentado, sem parar para conversas, sem que todos saibam que algo está sendo feito por baixo dos panos. E ele estava ali, em Copenhague, no congresso do COI que escolheria onde seriam realizados os Jogos Olímpicos de 2016. Era Jean-Marie Weber, conhecido da cartolagem internacional como “O homem da mala” por comprar votos para a eleição de futuras sedes olímpicas e de Copas do Mundo. Quem estivesse circulando com o lobista poderia ser considerado favorito destacado a ganhar a disputa. E, naquele dia, o suíço estava ao lado da delegação do Rio de Janeiro.

Weber não ganhou essa intimidade com os dirigentes da noite para o dia. Sua história se confunde com a de toda a estrutura de poder das principais entidades que governam o esporte mundial. O suíço era o braço direito de Horst Dassler, filho do criador da Adidas e fundador da ISL, empresa de marketing esportivo que negociava os direitos de transmissão de grandes eventos. O papel do lobista era fazer o jogo sujo, articular com dirigentes de todo o mundo para que Dassler tivesse seus interesses atendidos. Um de seus primeiros serviços teria sido na eleição de João Havelange à presidência da Fifa.

Escolhas devem ser abertas, com critérios claros, candidaturas expondo suas propostas publicamente e fiscalização externa e da imprensa

Daquele momento em diante, as conversas entre os mais altos dirigentes do esporte mundial nunca mais foram as mesmas. Não que elas fossem límpidas antes disso, mas o esquema se profissionalizou. Uma indústria se desenvolveu em torno disso, com pessoas especializadas em conversar com cartolas e estabelecer preços para cada aprovação, cada voto decisivo para um contrato milionário ou a escolha da sede do próximo grande evento. A ISL faliu em 2001, afundada em dívidas contraídas após negociações que saíram do controle, mas Weber continuou operando.

Por isso, poucos se surpreenderam quando o nome de Weber apareceu nas investigações sobre Carlos Arthur Nuzman e de como o Comitê Olímpico Brasileiro teria comprado votos para que o Rio de Janeiro recebesse os Jogos Olímpicos de 2016. Daí a relembrar sua proximidade dos organizadores da Copa de 2006 na Alemanha e dos Jogos de 2012 em Londres foi um pulo.

As notícias golpearam fortemente a campanha de COI e Fifa de limparem suas imagens diante do público. O comitê já havia sido acusado de deixar os dólares falarem mais que o mérito técnico e histórico quando escolheu Atlanta como sede dos Jogos de 1996, mas chegou ao subsolo quando se descobriu como Salt Lake City desbancou a Cidade do Quebec para levar a Olimpíada de Inverno de 2002. Dez delegados da entidade foram expulsos e o comitê executivo foi bastante reformulado, tirando o espaço de cartolas para dar mais voz a ex-atletas, uma forma de mostrar que o esporte estaria acima de tudo.

Na Fifa, o caso é mais recente. As autoridades suíças investigaram por anos as atividades dos cartolas do futebol e suas relações com a ISL, mas a bomba só explodiu em 2015, quando o FBI ordenou a prisão de diversos dirigentes – o processo segue até hoje e já envolveu os brasileiros Ricardo Teixeira, Marco Polo del Nero e José Maria Marin – e forçou uma mudança na cúpula da federação. O presidente interino, Gianni Infantino, tentou dar um caráter mais empresarial à entidade, mas deixou claro como as coisas pouco mudaram ao inchar a Copa do Mundo – de 32 para 48 seleções a partir de 2026 – para garantir sua eleição.

É evidente que muito da estrutura de corrupção no comando do esporte se dá pela natureza política das entidades. De entidades regionais e estaduais às federações mundiais, dirigentes normalmente são eleitos com votos definidos a partir de negociações que raramente têm o desenvolvimento técnico, econômico ou social do esporte como prioridade.

Nesse contexto, os esportes americanos podem oferecer um caminho diferente. As ligas de futebol americano, basquete, beisebol e hóquei no gelo são independentes das federações de suas modalidades e atuam como corporações. Os donos são os proprietários dos clubes e o presidente é contratado por eles, respondendo pelos resultados econômicos e esportivos da competição.

Há dezenas de problemas graves nos esporte americano, como conspiração para convencer prefeituras e governos estaduais a usarem dinheiro público na construção de novos estádios. A compra de dirigentes, porém, não costuma aparecer tanto no noticiário. Ainda assim, ela existe. Em 2015, o jornal Minneapolis Star Tribune descobriu o que a NFL exige dos municípios que se candidatam a receber o Super Bowl, a decisão da liga e evento de maior audiência da tevê dos Estados Unidos. A reportagem mostra vários pedidos técnicos e de conforto a dirigentes e clubes, mas também revelou que as cidades deram presentes – de tablets a iates – para convencer o eleitorado. No caso, os bilionários donos das equipes.

Ainda que os escândalos americanos sejam mais raros, o caso do Super Bowl mostra que apenas o tratamento puramente empresarial do esporte não é suficiente para uma autorregulação completa de entidades e dirigentes. Afinal, há um elemento comum em todas essas negociações, da NFL à Fifa: a falta de critérios claros e transparentes para a tomada de decisões. E, se a sociedade quer que o esporte seja comandado de forma mais limpa, esse deveria ser o ponto de partida.

Se a escolha do novo parceiro comercial do COI ou da sede da próxima Copa do Mundo for aberta, com critérios claros, candidaturas expondo suas propostas publicamente e fiscalização externa de organizações civis, de auditorias contratadas e da imprensa, a margem de desvio é muito menor. Nesse cenário, seria mais fácil descobrir de onde veio o conteúdo da mala de Jean Marie Weber.

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