Em 1984 ocorreu uma ampla reforma curricular nos cursos de Ciências Econômicas, e que instituiu uma série de mudanças a serem obedecidas por todos os cursos ministrados no Brasil para quem ingressasse a partir de 1985. Dentre as mudanças da referida reforma, uma das mais significativas foi a exigência de uma monografia que cada estudante deveria apresentar ao fim de seu curso, sob a orientação de um professor, como pré-requisito indispensável para a obtenção do diploma de graduação.
Uma das consequências dessa exigência foi a criação de uma disciplina que preparasse os estudantes para a preparação da monografia. Chamada, em muitas instituições, de Metodologia Científica e Técnicas de Pesquisa em Economia (algumas optaram por duas disciplinas, uma voltada para questões teóricas de filosofia da ciência e outra para o passo a passo da elaboração de um texto acadêmico), transformou-se rapidamente em uma das disciplinas menos apreciadas pelos estudantes. Se fosse feita uma pesquisa para saber qual a disciplina mais odiada do curso, seguramente ela ganharia com folga.
Acompanhei, como professor, essa fase de transição que, diga-se de passagem, ocorreu em diversos outros cursos, à medida que trabalhos de conclusão de curso (TCCs) iam se tornando obrigatórios. Fui testemunha da enorme dificuldade que os professores responsáveis por ministrar a referida disciplina tiveram para motivar seus estudantes, muitos dos quais imaturos e incapazes de perceber a importância da mesma. Só no momento de se defrontarem com a elaboração da monografia, normalmente no último ano do curso, é que os estudantes se davam conta da relevância daquela disciplina e, nessa hora, lamentavam não tê-la cursado com a devida seriedade.
Coube-me, por muitos anos, em minha jornada de professor, a responsabilidade de orientar estudantes em suas monografias. Nessas oportunidades, constatava diversos aspectos do despreparo de muitos para realizar aquela etapa imprescindível de sua formação.
Evidentemente, estudantes que tinham tido bom desempenho ao longo do curso encontravam menos dificuldade: já haviam pensado previamente no tema de sua monografia, acumulado suficiente volume de fontes de pesquisa e definido um foco bem delimitado do que deveriam incluir no texto, sabendo claramente separar essencial (tudo que é importante e não pode faltar) e acessório (aquilo que desempenha papel secundário). Os menos preparados, por sua vez, tendiam a se dispersar, gastando tempo e energia em aspectos acessórios e deixando na superficialidade o que era essencial.
Por que essa longa peroração?
Pois foi exatamente o que senti nos últimos meses acompanhando debates e discussões a respeito da Operação Lava Jato, enfim extinta formalmente em decorrência do processo de “correção de rumos” no MPF que o procurador-geral da República, Augusto Aras, encampou ao assumir o cargo.
Grande parte dos argumentos dos envolvidos nas discussões concentrava-se em eventuais desvios ou exageros cometidos ao longo dos processos conduzidos pela força-tarefa sediada em Curitiba, constituída por membros do Ministério Público Federal (MPF), da Polícia Federal (PF) e da Receita Federal, criada há quase sete anos, e não no extraordinário benefício trazido ao Brasil e à imagem externa do país em razão dos resultados atingidos no combate à corrupção e à impunidade de figuras poderosas da política e dos negócios, que, até então, sentiam-se acima da lei e da ordem.
Na minha perspectiva – que pode perfeitamente estar equivocada – tratava-se de uma clara confusão entre o essencial, que era tornar o Brasil um país melhor por meio de um duro combate à corrupção e à impunidade, e o acessório, representado por eventuais exageros praticados pelos membros da força-tarefa na tentativa de chegar ao objetivo maior.
Diante disso, não me causou surpresa a decisão da extinção da Operação Lava Jato. Afinal, parece-me claro que, além dos alegados eventuais desvios e exageros, pesaram muito mais os interesses de políticos – tanto do governo como da oposição – e de empresários punidos ou ameaçados de o serem graças ao trabalho da força-tarefa.
Resta-me a esperança de que o combate à corrupção não seja interrompido com a extinção da Operação Lava Jato, como foi prometido pelo procurador-geral, que afirmou que os casos em andamento sob os cuidados da antiga força-tarefa continuarão a ser investigados, mas sem dedicação exclusiva dos procuradores que compunham a força-tarefa de Curitiba, os quais, desde o dia 1.º de fevereiro, passaram a fazer parte do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) criado no MPF do Paraná.
Caso isso não ocorra, chegarei à triste conclusão de que, uma vez mais, prevaleceram os interesses daqueles que não estão nem um pouco preocupados com o aperfeiçoamento das nossas instituições e com a construção de um país mais sério.
Luiz Alberto Machado é economista, mestre em Criatividade e Inovação, e conselheiro do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial.