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Encontrar a dose do ajuste fiscal que permita reduzir a percepção de risco e ao mesmo tempo não aprofunde a tendência recessiva é uma tarefa árdua

A recente ampliação da volatilidade nos mercados financeiros, particularmente nas bolsas de valores, vem suscitando uma série de interpretações. Para alguns, poucos é verdade, trata-se da prova definitiva da falência do modo de produção capitalista. Para outros é uma mera continuidade da crise de 2008. Nem uma coisa, nem outra. Embora a crise recente tenha relação com a de três anos atrás, sua natureza é bastante distinta.

A crise de 2008 foi causada pelo colapso do padrão de financiamento do setor imobiliário dos Estados Unidos e seus efeitos sobre todo o sistema financeiro norte-americano e europeu. O impacto da crise do subprime tornou evidente a fragilidade de boa parte das instituições financeiras privadas destes países. Não é sem motivos que o principal símbolo desta crise foi a quebra do Lehman Brothers, até então o quarto maior banco de investimentos dos EUA.

A queda do consumo e dos investimentos privados jogou boa parte das economias, sobretudo dos países centrais, numa profunda recessão em 2009. Ainda que em graus diferenciados, praticamente todos os países utilizaram a mesma receita para minimizar os efeitos de curto prazo da crise: gastos públicos foram ampliados, impostos e tributos foram reduzidos e juros foram cortados. O objetivo dessas medidas era impedir uma queda mais acentuada do nível de atividade econômica.

Os últimos abalos no sistema financeiro internacional decorrem de problemas dos Estados nacionais na gestão de sua dívida. Desde 2009 diversos países na Europa, especialmente Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha (PIIGS) enfrentam dificuldades em financiar o seu elevado endividamento público. Em vários destes países a dívida interna pública é maior do que o produto nacional. Até a crise de 2008 essas economias encontravam fontes de financiamento com relativa tranquilidade. No entanto, após o abalo do sistema financeiro, a elevação do risco promoveu uma redução no apetite dos agentes financeiros para comprar títulos públicos destes países, diminuindo a capacidade de "rolagem" de sua dívida pública. Grécia e Portugal são exemplos extremos desta situação.

O cenário tornou-se ainda mais complexo em função do reduzido crescimento do produto desses países. A arrecadação tributária dos Estados depende do ritmo de crescimento da economia. Baixo crescimento significa menor capacidade de honrar com os pagamentos da dívida acumulada. A dificuldade de o congresso norte-americano em negociar a elevação do teto para o endividamento da principal nação do mundo – e atualmente também a principal devedora – foi a gota d’água que faltava para desencadear a crise.

A solução da crise nos países com elevado endividamento público não é simples ou imediata. Seus governos devem empreender um esforço fiscal para reduzir o nível de endividamento público. Por outro lado, ao promover esse ajuste podem agravar a tendência recessiva de suas economias. Encontrar a dose do ajuste fiscal que permita reduzir a percepção de risco e ao mesmo tempo não aprofunde a tendência recessiva é uma tarefa árdua.

A situação do Brasil é, assim como em 2008, relativamente mais tranquila. Isso não significa que o país não sofrerá os abalos de uma possível recessão. Se ela vier a se concretizar, a economia brasileira será afetada por diversos canais, com efeitos sobre a evolução do setor externo e sobre a capacidade de crescimento do produto e do emprego doméstico. No entanto, a situação fiscal brasileira é distinta. A dívida pública (líquida)/PIB é de 39,65%, muito inferior ao padrão vigente nos países em crise. O país não passa por nenhuma crise de confiança em relação à capacidade de pagamento do Estado de sua dívida. Isso não significa, no entanto, que não existam problemas em relação à gestão da dívida pública brasileira. Seu caráter de curto prazo e as altas taxas de juros incidentes são elementos que devem ser cuidadosamente analisados.

Neste contexto internacional, o fortalecimento do ajuste fiscal será a palavra de ordem do governo Dilma nos próximos meses. É bom lembrar que a primeira medida econômica relevante do novo governo foi justamente no campo fiscal, com o "corte" de R$ 50 bilhões no orçamento. A determinação do governo de congelar os gastos não obrigatórios do orçamento em 2012 é mais um elemento deste ajuste.

Ao contrário do verificado na crise de 2008, neste momento irá ocorrer uma contenção dos gastos públicos. Movimentos de servidores públicos por reajustes de salários, por exemplo, irão enfrentar um governo imbuído da necessidade de conter o avanço nos gastos. As reivindicações, independentemente de seu mérito, encontrarão resistência do governo federal, fenômeno que deve gerar custos para toda a sociedade ao longo dos próximos anos.

Marcelo Curado, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), é pesquisador do programa "Cátedras para o Desenvolvimento" do Ipea

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