Título banal associado a um autor que não prima pela ousadia, passou batido em meio ao rescaldo do pleito mais acirrado desde o fim da ditadura. Nunca antes neste país a trégua pós-eleitoral foi tão curta e o day after, tão imediato.

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A trepidação do ambiente não diminui, só reforça a importância do texto do senador José Sarney (PMDB-AP) publicado na Folha na última quarta, 29 de outubro. Pelo que está explicitado – com rara contundência – e pelo que está implícito. A raposa que se aposenta não perdeu a manha nem a raposice.

Começou apocalíptico, alertando para debacles iminentes, inseriu algumas doses de sincero arrependimento, o que deu à sua jeremiada uma entoação transcendental. O cacique batido fragorosamente nos seus domínios depois de meio século de tutela absoluta também ofereceu à presidente reeleita o maior porcentual de eleitores do país. Com isso o seu mea culpa tem algo de audácia. "A democracia não se aprofundou depois da redemocratização", afirmou o primeiro civil a exercer a presidência depois do regime militar. Pedro Simon não o diria com tanta veemência.

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Desacostumado a colocar a boca no trombone desde os tempos aguerridos da "banda de música" da UDN, agora fuzila o "corporativismo anárquico que foi beneficiando ilhas de interesses gerando a divisão que aflorou nestas eleições". Chefe do Poder Legislativo em três períodos ao longo de nove anos, reconhece agora que "o parlamento desmoralizou-se, instituiu práticas condenáveis, perdeu legitimidade"; por isso, propõe barrar "este arquipélago de partidos sem democracia interna, cartórios de registro de candidatos para negociações materiais". Não satisfeito, constata que a compulsão de expandir poderes torna o país "ingovernável". O sistema apodreceu graças à "promiscuidade entre cargos, empresas e setores da administração (...) o controle das estatais é urgente". Rejeita a reeleição e nega a ex-presidentes o direito a exercer cargos públicos (aqui bateu mais forte no peito).

Então, o grand finale: "É hora de pensarmos no parlamentarismo e marchar em sua direção. Não dá mais para protelar. A presidente Dilma Rouseff marcará a história do Brasil se fizer essa transformação (...) o país avançou no social, mas a política regrediu".

O que teria levado o cauteloso Sarney a assumir o seu DNA de udenista? Que elixir ingeriu, qual inseto o picou, que pesadelo teria sonhado na véspera para constatar que o país está à beira da desintegração e propor à presidente reeleita desafio tão surpreendente?

Sarney é do PMDB. Melhor dizer: Sarney é o PMDB, partido criado pela ditadura (ainda sem o "P" inicial) para representar a oposição. Durante duas décadas como figura de proa da Arena chapa-branca, engoliu sapos e escrúpulos. No ano final da ditadura, passou-se para o PDS, depois para o PMDB e, magnetizado pela figura de Tancredo Neves, 20 anos mais velho e toneladas mais sábio, compôs a chapa que derrotou Paulo Maluf e a ditadura militar. Convém lembrar que Tancredo foi o primeiro primeiro-ministro do brevíssimo parlamentarismo que adiou o golpe militar de 1961 para 1964. Não deu certo porque o novo sistema desagradava intensamente àqueles que se preparavam para as eleições de 1965 – isto é, todos.

Sarney envergou a faixa presidencial graças à fatalidade que tirou a vida de Tancredo e, desde então, não poderia alhear-se aos caprichos do destino. Em 2002, quando a vitória de Lula parecia garantida, declarou (com alguma graça) que, se o PT estava fadado a chegar ao poder, que fosse logo. Não por acaso, foi este mesmo PMDB o responsável por infligir a primeira derrota ao recém-vitorioso governo.

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Ao tomar emprestados de Carlos Drummond de Andrade os presságios sobre o "tempo de homens partidos", véspera de impasses e rupturas, o mais antigo parlamentar brasileiro, aos 84 anos, agora restrito aos saberes adquiridos na longa convivência com os fados, teve um estalo. O mesmo que teria ouvido um menino de 8, Antonio Vieira, antes de tornar-se estadista, profeta e imperador da língua portuguesa.

Alberto Dines é jornalista.

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