Está em tramitação no Senado o projeto de lei chamado Estatuto das Famílias (PLS n. 470/2013), que tem em vista a substituição de toda a regulamentação hoje vigente no Código Civil brasileiro sobre as relações familiares. Essa proposta legislativa pretende que a família seja protegida em qualquer das suas modalidades (art. 3º) e que a afetividade e o direito à busca da felicidade e ao bem-estar sejam os princípios de interpretação e aplicação do Estatuto das Famílias (art. 5º, IV e VIII).
Com essa abertura à formação de entidades familiares, esse projeto pretende institucionalizar a mancebia. E tanto é assim que propõe que as denominadas relações paralelas, expressão enganosa porque suaviza seu conteúdo de relações extraconjugais, sejam alçadas ao patamar de entidades familiares. Consta do projeto o direito da amante ou do amante à pensão alimentícia e à reparação dos danos morais e materiais que o amásio ou a amásia lhe tenha causado (art. 14, parágrafo único).
Nossas convicções: O valor da família
Com essa ampliação desmedida das formas de família, estará aberta a porta também à poligamia consentida, ou seja, de um homem viver com duas mulheres ou de uma mulher conviver com dois homens, como se fossem família, os denominados “trisais”.
Tudo pela felicidade, em seu sentido individualista e egoísta, que passa como um trator sobre os anseios da sociedade e sobre os valores da família brasileira.
Em suma, o Estatuto das Famílias pretende institucionalizar em nosso país a poligamia, tanto a consentida dos trisais como a não consentida dos amantes. É de pasmar que tramite no Congresso Nacional um projeto inadequado aos costumes dos brasileiros e que desrespeita a Constituição Federal (art. 226, § 3º).
Saliente-se que a dignidade da pessoa humana, como fundamento da República Federativa do Brasil (CF, art. 1º, III), não é um conceito meramente individual, que cada um forja ao seu próprio talante. Desde quando é anseio social no Brasil que as relações conjugais ou de união estável sejam poligâmicas ou admitam a mancebia? Vê-se que esse projeto de lei distorce o pensamento social e quer enfiar “goela abaixo” a poligamia.
Ainda mais, o projeto, na chamada família pluriparental, abre caminho para a atribuição de legalidade às relações incestuosas (art. 69, § 2º). Recorde-se que neste projeto de lei tudo pode e cabe em um entidade familiar, em termos afeto e felicidade.
Nas relações parentais, esse Estatuto das Famílias pretende também que os padrastos e as madrastas compartilhem dos direitos e deveres dos pais e das mães (arts. 70, 74 e 90, § 3º). Multiparentalidade é o que pretende esse projeto, ao querer que o padrasto e a madrasta sejam obrigados a auxiliar no sustento de filhos alheios, com incentivo ao ócio; porque se um jovem tem várias fontes pagadoras de alimentos, por qual razão esforçar-se-ia a trabalhar?
Pergunta-se, ainda, qual será o padrasto ou madrasta que assumiria voluntariamente parte das despesas dos enteados sabendo que, se houver a dissolução de seu casamento ou de sua união estável, estará obrigado a pagar pensão alimentícia a filhos alheios sob pena de prisão? Os bons padrastos deixarão de existir. O projeto incentiva, além disso, o desafeto: uma pessoa em sã consciência evitará unir-se a quem tenha filhos, porque poderá ser apenado com o pagamento de pensão alimentícia aos jovens que não são seus próprios filhos, se se separar da mãe desses menores.
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Isso sem contar que a guarda de um menor poderá ser disputada entre o padrasto, a mãe e o pai de uma criança, ou entre a madrasta, o pai e a mãe de uma criança. Já que as famílias, segundo esse projeto, se recompõem livre e facilmente, quiçá essa criança, após três casamentos de cada um de seus pais, poderá ser disputada por dois padrastos, duas madrastas, um pai e uma mãe. Pode-se imaginar os danos dessa disputa para o filho, que será centro de conflitos entre vários interessados em sua guarda.
E tem mais. O Estatuto propõe que em qualquer convivência entre a mãe e o suposto pai exista a presunção da paternidade (art. 82, I). Assim, até mesmo em relação eventual, sem estabilidade e sem certeza na paternidade, o homem será presumidamente havido como pai da criança e, para que esse vínculo se desfaça, caberá a ele promover ação de contestação da paternidade; enquanto essa ação tiver andamento, esse homem, mesmo não sendo pai, terá de prestar pensão alimentícia. E, também, na família chamada paralela o amante será havido como pai do filho da amásia, ainda que na relação extraconjugal, por óbvio, não seja exigida a fidelidade.
Como se não bastasse, os pais e as mães sofrerão diminuição do poder familiar perante os filhos, não só por ter de dividi-lo com o padrasto ou a madrasta dos menores, mas porque a afetividade, por si só, deve propiciar, segundo o Estatuto das Famílias, o direito à convivência com menor de idade (art. 104).
Tudo pela felicidade, em seu sentido individualista e egoísta, que passa como um trator sobre os anseios da sociedade e sobre os valores da família brasileira. Por fim, um alerta: se esse projeto não for combatido, poderemos acordar, a qualquer tempo, com essa nova regulamentação destruidora das relações familiares.