A pior forma de intolerância é aquela travestida de "modernidade". Quando a avassaladora onda do politicamente correto invadiu o Brasil, logo percebi que a pior intolerância é a "intolerância dos tolerantes".
Há alguns meses, um amigo compartilhou no Facebook um vídeo do grupo Porta dos Fundos, satirizando um repórter que deduzia o que o entrevistado queria dizer e acabava colocando palavras na boca da "vítima". Pensei: "Que bom que os caras não precisam apelar para fazer sucesso com o humor". Não há coisa mais retrógrada e obscurantista que tentar ser engraçado utilizando recursos como palavrões, pornografia, bizarrices e apelações de cunho religioso para chamar a atenção.
Infelizmente, me enganei.
Além da baixaria, vi também muito desrespeito com a fé dos outros. Fábio Porchat, um dos líderes da trupe, disse, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, que é ateu, que acha graça em quem tem fé, e só poupa uma religião de suas piadas: "Eu, por exemplo, não faço piada com Alá e Maomé, porque não quero morrer! Não quero que explodam a minha casa só por isso (risos). Mas, de um modo geral, a gente vai fazendo, vai falando", assume. É deplorável que a única maneira de não ter sua fé vilipendiada por essa gente seja a violência.
Dia desses, no programa Na Moral, da Rede Globo, ao falar sobre piadas com religião, o nada beato Renato Aragão disse, com candura, a Gregório Duvivier, outro membro do Porta dos Fundos: "A gente não precisa disso para fazer humor. Acho que agride criticar a religião da pessoa. Muçulmano, católico, evangélico, tudo. Não precisa". Gregório discordou e, perguntado por Aragão, disse que não tem religião. "Então você está a caráter para falar, desde que não agrida a religião das outras pessoas", aconselhou Aragão. Para se justificar, o jovem disse que o grupo é a favor das "minorias", que as religiões "são ricas, têm até bancada na Câmara" etc.
Em artigo na Folha de S.Paulo, Duvivier generaliza. Dá a entender que todo mundo acha normal e até incentiva que se façam piadas com as religiões que são minoria no Brasil, mas condenam que se brinque com o Cristianismo. Discordo. Pode até haver quem pense assim, de forma preconceituosa, que não se importe com a ofensa à fé alheia; mas a grande maioria quer respeito e sabe que este é o alicerce da liberdade religiosa, um dos pilares da democracia e do Estado laico.
Penso também que o tipo de humor que fazem habitualmente vai além de uma piada ou sátira. Há muita intolerância e ódio nos programetes porta-fundianos, e destaco dois: a história da mulher com a imagem de Cristo gravada nas partes íntimas, e um "especial de Natal" em que Deus Pai, Jesus, Maria e José são vilipendiados de forma grosseira. Nesse "especial", os crentes também são tachados como burros e ignorantes, quando o personagem "Deus" diz que as pessoas acreditam em qualquer coisa, por mais absurda que seja. Os gênios e luminares do conhecimento Porchat, Duvivier, Tabet e companhia incluem, no rol de idiotas, Einstein, Newton, Edison e a plêiade de cientistas que acreditam em Deus.
O que a turma faz não são simples piadas de mau gosto. Eles chocam, ofendem, vilipendiam.
A democracia não concebe fanáticos religiosos, mas também não contempla "religiofóbicos". A estrada que queremos pavimentar, com tolerância e respeito às diferenças, é uma via de mão dupla.
Roberto Zanin é jornalista e autor do blog robertozanin.com.
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