Os trabalhadores do setor privado odeiam o fator previdenciário. É uma pena. Criticam um instrumento inteligente que pode funcionar a favor deles e não contra. Explico: sem o fator, o Brasil teria de ter uma idade mínima para aposentadoria. Não há graças ao fator, que foi criado para desestimular as pessoas a se aposentar em idade precoce.
A fórmula combina o tempo, a alíquota de contribuição, a idade na aposentadoria e a expectativa de sobrevida. Se o homem contribuiu durante 35 anos – e a mulher, por 30 anos –, que é a única carência, ele pode se aposentar, mas, se o fizer com pouca idade, ainda terá décadas pela frente recebendo aposentadoria e o valor será pequeno.
Por que o fator é prejudicial ao trabalhador
O fator previdenciário foi aprovado em 1999, durante a reforma da Previdência, e foi criado para diminuir o valor dos benefícios pagos pelo INSS, em razão do suposto déficit do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
Leia o artigo de Diego Martins Caspary, advogado especialista em Direito PrevidenciárioAgora, não tem mágica: quem para cedo, ao redor dos 50 anos, terá renda mensal menor, pois vai viver aposentado muito mais do que quem se aposenta aos 60. Aposentando-se com mais idade, a sua poupança previdenciária hipotética no INSS será maior e, como a sobrevida até a morte será de menos anos, a aposentadoria fica maior.
Perceberam? O aposentado recebe aquilo que contribuiu dividido pela expectativa dos anos de vida que tem pela frente. Aqui, uma observação importante: as pessoas têm a ilusão de que previdência é um prêmio. Não é. É consequência da vida laboral. Quem ganhou mal a vida inteira não vai ganhar mais como aposentado.
As pessoas têm a ilusão de que previdência é um prêmio. Não é. É consequência da vida laboral
Voltando ao fator previdenciário, o mais importante: ele permite ao trabalhador escolher a hora de parar. Agora, se cair o fator, virá a idade mínima, e aí o trabalhador não terá escolha.
Outra utilidade do fator: quem se aposenta cedo e permanece trabalhando tem de continuar contribuindo para o INSS. Lá na frente, essa pessoa pode, exatamente com base no fator previdenciário, que é a própria fórmula de cálculo legal para definir o valor da aposentadoria inicial, pedir na Justiça a desaposentadoria e ganhar um adicional mensal, baseado nas contribuições adicionais feitas após ter se aposentado na primeira vez. O relator do processo no STF, ministro Marco Aurélio Mello, já se posicionou nesse sentido e, enquanto o Supremo não decide, muitos segurados estão tendo a desaposentadoria concedida e a aposentadoria recalculada em instâncias inferiores do Judiciário.
Pois bem, vejam a nova maldade governamental que vem por aí: acabar com o fator, pois sabe o governo que vai vingar no Supremo a tese da desaposentadoria. O ministro da Previdência fala na fórmula 95/85, que soma o tempo de contribuição à idade. Já a acho defasada, pois isso pressuporia um trabalhador aposentar-se com 35 anos de contribuição e somente 60 de idade. Mas, se fosse adequada, quando aumentasse a longevidade, teria de ser repetidamente renegociada e elevada no Congresso Nacional, que só ouve as ruas e não os técnicos. Já na fórmula do fator, o ajuste é automático, anual e estimado pelo IBGE.
A pergunta que fica é: quem está mais preparado tecnicamente para tratar da demografia e do aumento da longevidade? O Congresso ou o IBGE? Se a resposta for o IBGE, o fator não pode cair. E trabalhador inteligente brigaria pela sua permanência, ao contrário do que o governo anuncia.
Aliás, sempre foi assim: quando o governo propõe, o trabalhador perde.
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