Escrevo essas linhas antes do resultado das urnas deste domingo. Não obstante, uma coisa já é inegável: Jair Bolsonaro é um fenômeno de popularidade e surpreendeu a quase todos, em especial o establishment. Entender como isso foi possível é o objetivo aqui. Como foi que um simples deputado do Rio se tornou o “exército de um homem só” contra tantos partidos poderosos?
O feito não é trivial. A decisão do Supremo de vetar financiamento de empresas concentrou quase todos os recursos no Fundo Partidário e no fundo eleitoral, uma estatização da política que encheu os cofres dos caciques com mais de R$ 3 bilhões. Isso sem falar do caixa dois, lembrando que Palocci confessou que o PT torrou R$ 1,4 bilhão para eleger Dilma, quase tudo por fora.
Bolsonaro, no minúsculo PSL, teve de se virar praticamente sem recursos. Contava com o apoio voluntário nas redes sociais, lotava aeroportos e despertou uma militância aguerrida alimentada por puro patriotismo. Ligava seu celular com conexão 4G, porém, e fazia uma live com mais de 200 mil pessoas acompanhando. Quem precisa da tevê na era moderna?
A cada instante algum formador de opinião previa que Bolsonaro iria “desidratar” quando a máquina de moer fosse colocada contra ele. Tempo de televisão, Fundo Partidário, cabos eleitorais, movimentos “espontâneos” liderados por artistas e a imprensa – claro, a imprensa – metendo o pau nele dia e noite. Mas o teto era móvel, e ele continuou subindo nas pesquisas. Apesar de tudo. Por causa de tudo!
José Dirceu, que fala demais por arrogância, chegou a declarar o real intuito: tomar o poder, independentemente do resultado eleitoral
E eis aqui o xis da questão: Bolsonaro se tornou o candidato “antifrágil” por representar justamente o combate a esse establishment, ao politicamente correto, a essa mídia enviesada e torcedora, que vem aliviando para o PT desde sempre, enquanto retrata o capitão como basicamente um novo Hitler. Ele é um outsider nesse aspecto, e a população percebe as manipulações, as deturpações, as mentiras e exageros.
Enquanto os jornalistas chamam o que os criminosos do MST fazem de “ocupação”, eufemismo para invasão, lá está Bolsonaro a dar nome aos bois: são terroristas! E os produtores rurais devem ter o direito de se armar para se defender, completa. Alguém fica mesmo surpreso com o apoio que vem recebendo do agronegócio?
As feministas radicais, que não dão um pio sobre o machismo grosseiro de Lula ou as supostas agressões de Freixo denunciadas pela ex-mulher, tomam as ruas para gritar #EleNão, ignorando que isso significa, na prática, defender a volta do PT e de Lula. Segundo pesquisas, mais de 60% do público presente nessas manifestações era simpático ao PT ou ao PSol. Alguém fica surpreso com o efeito bumerangue dessa militância hipócrita, levando logo depois a um aumento de seis pontos porcentuais nas intenções de voto de Bolsonaro?
Vários articulistas tentaram pintar Fernando Haddad como alguém pragmático e moderado, enquanto sobravam rótulos terríveis para Bolsonaro: machista, homofóbico, racista, fascista. Haddad, por outro lado, virou um intelectual prudente. Textos e mais textos sobre como Bolsonaro representava uma ameaça à nossa democracia, escritos por gente que fingia ter hibernado nas últimas décadas, não ter conhecimento do que o PT tentou fazer, de seu projeto oficial golpista, de sua defesa do modelo venezuelano.
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José Dirceu, que fala demais por arrogância, chegou a declarar o real intuito: tomar o poder, independentemente do resultado eleitoral. Haddad mesmo falou em nova Constituinte, e todos sabem que Lula quer vingança contra a Justiça e se arrepende de não ter avançado mais no bolivarianismo, especialmente no controle da imprensa. Alguém surpreso com a reação do público ao ver essa defesa canalha do PT como salvador da nossa democracia?
E aqui temos o maior trunfo político de Bolsonaro, além de ser visto como honesto e firme contra a bandidagem: seu antipetismo. A eleição caminhou para uma espécie de plebiscito sobre o lulopetismo, com ajuda da mídia e dos institutos de pesquisa, que insistiram em colocar Lula, um bandido preso e condenado, como líder das pesquisas durante um bom tempo. O perigo crescente da volta do PT e do que isso significa, isto é, a transformação do Brasil numa Venezuela, foi o principal ativo eleitoral de Bolsonaro.
Antigamente esse sentimento era capturado pelos tucanos, mas a postura do PSDB impediu a continuação desse jogo fácil. Os tucanos nunca foram oposição real ao PT. São esquerdistas também, ainda que mais moderados. Vieram de origem parecida, como socialistas fabianos. E FHC, o líder tucano, demonstrou desde o começo mais medo da “onda conservadora” que da possibilidade de volta do PT. A população não é idiota: entendeu que não precisa mais ser refém dos tucanos, esquerdistas engomadinhos, socialistas com perfume francês. Há agora uma alternativa à direita, de fato.
Francisco Escorsim: “Eu odeio Bolsonaro, mas meu voto é dele” (publicado em 5 de outubro de 2018)
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Enfim, esse foi o caldo cultural que explica o sucesso de Bolsonaro, de forma resumida. A elite se aprisionou numa bolha cognitiva “progressista”, confundindo o Leblon e a Vila Madalena com o Brasil. Suas pautas, como legalização de drogas e aborto, casamento gay ou ideologia de gênero, não falavam aos brasileiros comuns, interessados em segurança, emprego, saneamento básico e ensino de qualidade, em vez de doutrinação ideológica. O esgarçamento dos valores morais foi a gota d’água: o Brasil petista virou uma baixaria constante, e é preciso resgatar um comportamento mais ético.
Enquanto mais de 60 mil pessoas eram mortas por ano, a elite “descolada” repetia que o marginal é uma “vítima da sociedade” e demandava leis ainda mais restritas ao direito individual de se armar como legítima defesa, apesar de plebiscito que mostrou o desejo contrário do povo. Alguém surpreso com a popularidade do gesto de Bolsonaro ao imitar uma arma com a mão?
Para concluir, não sei ainda o resultado final do pleito, mas já é possível fazer uma análise mais detalhada do fenômeno Bolsonaro. Esses fatores abordados aqui foram apontados meses, anos atrás. Mas a elite ignorou todos os alertas, pois estava fechada em sua bolha. É o que dá ter um mapa de fundo totalmente equivocado, fruto de uma torcida ideológica, não de uma análise independente. Foi assim com Trump também, mas essa turma nunca aprende...