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O mundo será outro depois do Coronavírus (Covid-19). Se melhor ou pior, será algo que vamos ver, vivendo. No plano macro, já há um novo e pesado jogo de poder sendo jogado freneticamente. E estamos perdendo, pois o Ocidente está sendo duramente golpeado. Se por ato intencional e ou aleatório, pouco importa porque será, no vácuo das circunstâncias, que se farão derrotados e vencedores. Aqueles que pararem para tentar entender serão simplesmente atropelados pela avalanche dos acontecimentos. A hora exige decisivas ações estratégicas através de rápidas reconversões de contextos, alternativas e possibilidades.
Objetivamente, o Covid-19 marca o fim da globalização anárquica. O desenvolvimento transacional dos mercados levou a humanidade a conquistas materiais inimagináveis. Os avanços são inegáveis: a substancial redução da miséria absoluta, o aumento da longevidade humana e a vertiginosa queda da mortalidade infantil representam êxitos extraordinários do capitalismo global. Todavia, a busca irrefreada por mercados produtores baratos e de reduzidas condições sanitárias nos conduziram a deletérias flexibilizações jurídicas, políticas e ambientais que, agora, cobram um preço altíssimo.
No momento, ao invés de culpados, devemos unir esforços para erradicar a ameaça do Covid-19 e proteger as conquistas da civilização contemporânea. Será através da ágil união coletiva soberana e, não, pelo afastamento nacionalista atomizado ou xenófobo, que seguiremos evoluindo no combate aos desafios globais. Ironicamente, o atual e provisório distanciamento social traduz apenas uma mensagem de lembrança para o quão importante são os laços humanos de solidariedade, compaixão, amor e liberdade. E, não serão com valores opostos, que manteremos as conquistas humanitárias e civilizatórias obtidas até aqui.
O fato é que nenhuma anarquia – capitalista ou socialista – resiste à sabedoria do tempo. Aqui chegando, temos que nos olhar como iguais e admitirmos que o mundo globalizado – de infinitas vantagens econômicas – tem custos e deveres que não mais podem ser ignorados pelas nações soberanas. Problemas globais exigem respostas sistêmicas e, não, iniciativas paroquiais. Há, assim, a urgente necessidade de criação de uma governança global institucionalizada, capaz de gerenciar com competência, eficiência e responsividade os desafios exponenciais do estilo de vida cosmopolita.
Sem cortinas, os arranjos políticos do presente são manifestamente insuficientes para o enfrentamento dos desafios globais que, frisa-se, serão mais fundos e crescentes. Quanto ao ponto, a lógica é exata: sistemas complexos são incompatíveis com governos simplórios. A evolução humana sofisticou as estruturas de poder, sendo as atuais flagrantemente anacrônicas. Logo, enquanto não fecharmos esse profundo gap institucional, as tensões e instabilidades serão constantes da equação do poder, fazendo com que as populistas e autoritárias soluções de empreitada ganhem espaço no imaginário popular.
Nesse contexto, cabe às autênticas lideranças democráticas assumirem seus deveres políticos genuínos para, ato contínuo, guiar a sociedade global, através do diálogo e entendimento, a dias de paz, desenvolvimento econômico e progresso humanitário. Por maiores que sejam as dificuldades políticas do momento, sempre haverá uma razão superior a informar a sóbria e efetiva tomada de decisões públicas. Nas horas de escuridão, a humanidade é assaltada por instintos bestiais, sendo responsabilidade dos líderes de envergadura assumir o comando do processo histórico, guiando as sociedades por faróis de luz, sensatez e coragem virtuosa.
Por sua vez, a vida democrática exigirá cada vez mais dos cidadãos conscientes, atraindo-os para o centro dos acontecimentos políticos para participação ativa nos importantes debates públicos que serão impulsionados pela tragédia do Covid-19. Definitivamente, a clausura temporária imposta por este vírus mortal deve servir para a reflexão sobre o valor da liberdade humana e do quão redutora são as práticas de isolamento coletivo. O problema, portanto, não está na globalização, mas na insuficiência das políticas redutoras que governam as nações soberanas.
Podemos mais e devemos fazer mais para todos os cidadãos do mundo.
Lembrando a lição clássica de Karl Polanyi, a história pós Covid-19 estará entrando em dinâmico processo de transformação social. Da crise, virá a oportunidade de aperfeiçoamento político, embora os riscos de retrocessos não sejam desprezíveis. Naturalmente, algumas nações orientais, salvo mudanças internas profundas e radicais, talvez não mais mereçam participar das vantagens do mundo livre. Afinal, quando a liberdade cede ao autoritarismo do poder, é a civilização que se torna refém da irracionalidade descontrolada.
O desafio de uma globalização institucionalizada está posto. Alguns optarão pela anarquia ou pelo totalitarismo. As diferenças estão aí, vistas e expostas. Felizmente, após a tragédia da Grande Guerra, aprendemos que só a liberdade salva. E será pelo livre mercado concorrencial, potencializado pelo diálogo democrático integrador, que religaremos a corrente produtiva mundial entre as nações amigas, retomando um crescimento econômico seguro, consciente e eticamente responsável.
Vamos juntos, unidos e decididos, a fazermos parte de um futuro melhor.
Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e conselheiro do Instituto Millenium.