A intensa movimentação vivenciada pelo setor educacional nas duas últimas décadas redefiniu o segmento. A cada momento, isso se refletiu no mercado de capitais, desde a ascensão dos grupos a queridinhos dos investidores até o momento atual, em que se vive a “queda do império”, ou melhor, “dos impérios”. Nos últimos anos, a cada divulgação de resultados, a promessas de lucros e Ebtidas recordes refletiram a vida real do segmento.
Divulgados em meados deste mês, os resultados do terceiro trimestre dos grandes grupos que atuam no ensino superior ficaram significativamente abaixo tanto dos prognosticados nos planos de negócios desenvolvidos no final de 2017 quanto dos do mesmo período do ano anterior. Fica claro que os do próximo trimestre e, consequentemente, do consolidado de 2018 serão piores do que os previstos e orçados. Analistas mais criteriosos, atentos às estratégias quase ilógicas e inconsequentes adotadas pelos executivos desses grupos, já previam isso.
Diante do fato de que apenas um terço das vagas ofertadas é preenchida, os grupos que atuam na educação superior deixaram de lado a geração de valor agregado para implantar estratégias de redução de custos e de ganho de escala. Metodologias ativas e tecnologias educacionais, alardeadas como novos diferenciais, transformam-se em técnicas e recursos mal aplicados que desmotivaram alunos e elevaram a evasão.
Diante do fato de que apenas um terço das vagas ofertadas é preenchida, os grupos que atuam na educação superior deixaram de lado a geração de valor agregado
Refletindo um desespero pela captação de alunos, mensalidades caem a cada semestre – às vezes, mais de uma vez em cada período. Neste ano de 2018, quando, pela primeira vez, há mais alunos matriculados no ensino superior que no ensino médio, a estratégia mostrou-se totalmente insustentável. Com muito mais vagas do que candidatos interessados, o custo de captação chega a superar em quatro vezes o valor de uma mensalidade.
Daí, optou-se pela redução de custos. Docentes mais titulados e experientes deram lugar aos menos capacitados; 20% da carga horária dos cursos foram destinados à modalidade a distância; as horas relógios (de 60 minutos) foram substituídas pelas horas aulas (50); aulas noturnas passaram a ser finalizadas às 22h00, a fim de não se pagar adicionais noturnos; cursos foram modularizados para que turmas pequenas compartilhassem as mesmas salas; currículos passaram a ser organizados por competências, a fim de justificar a falta de conteúdos essenciais para cada formação (dado que o tempo de curso não é suficiente para cumprir as diretrizes do MEC), dentre outras mágicas administrativas de efeitos ilusórios.
Todos os grupos educacionais valeram-se de tais estratégias. Agora, com a caixa de pandora vazia, passa-se agora a reduzir o número de unidades escolares, muitas delas abertas nos últimos meses, após a flexibilização concedida pelo MEC que possibilitou às instituições, mesmo as com pontuação mínima para operarem no ensino superior, abrirem novos polos EaD.
Leia também: Educação é outra história (artigo de Fausto Zamboni, publicado em 2 de agosto de 2018)
Sem novas alternativas para reverter o quadro nesse nível do ensino, os grandes grupos, como Kroton e Estácio, migram para a educação básica, onde o modelo extrativista que exauriu a geração de resultados do ensino superior em 20 anos e que acabou com a qualidade em dez, inicia um novo capítulo de uma história que tem um final previsível. Não deve levar uma década para que o segmento esteja esgotado, bem menos até, já que a qualidade de entrega é bastante ruim em mais de 85% das unidades escolares do país.
Mais preocupante é a pretensão do novo governo de transferir a educação superior do MEC para o Ministério da Ciência e Tecnologia, como se esta ação induzisse qualidade. O momento exige maior atenção. Deixar os grandes grupos longe dos olhos do regulador experiente é permitir que faculdades sejam fechadas e alunos, contra sua vontade, sejam convidados a se transferirem para outras unidades.
Os pífios resultados financeiros ainda trarão muitos efeitos perigosos para a qualidade da educação. Se, por mais de uma década, os balanços positivos gerados a partir de investimento público não resultaram em melhorias na educação superior, é difícil crer que, agora, algum desses grupos priorizará a qualidade.
Milhares de investidores estão preocupados com os números dos grupos educacionais. Por outro lado, mais de 8 milhões de estudantes estão reféns de modelos nada eficientes e desmotivadores, sendo formados sem qualquer diferencial de qualificação para ingressarem em um mercado pouco aquecido.
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