Os mísseis que atingiram a Arábia Saudita no fim de semana passado não destruíram apenas refinarias; eles também representam o golpe final em uma doutrina que já vem mal das pernas há anos: a crença de que os Estados Unidos mantêm um "guarda-chuva" de segurança capaz de proteger os países do Golfo Pérsico, ricos em petróleo, de seus inimigos, especialmente do Irã.
Sem dúvida, os erros de cálculo de Trump nos ajudaram a chegar lá, mas a verdade é que a atual crise na região não vem desse governo nem das armadilhas de sua campanha de "pressão máxima" contra o Irã; os EUA vêm se distanciando do Oriente Médio desde a catástrofe da invasão do Iraque, em 2003. Agora que o xisto tornou os norte-americanos bem menos dependentes do petróleo médio-oriental, é difícil imaginar qualquer presidente arriscando vidas e riquezas para defender a Arábia Saudita.
Durante décadas, os líderes do Golfo pareciam acreditar que os laços estreitos que mantinham com os EUA (e os bilhões de dólares gastos em armas daquele país) os tornavam quase invulneráveis. Volta e meia, instavam diplomatas e generais norte-americanos a subir o tom com o vizinho iraniano, ou mesmo "cortar a cabeça da serpente", como disse o rei saudita Abdullah, em 2008, encorajando os ocidentais a bombardear as instalações nucleares do Irã. A confiança saudita se devia, em grande parte, às lembranças da Guerra do Golfo de 1991, quando uma coalizão militar liderada pelos norte-americanos reverteu a invasão do Kuwait por Saddam Hussein.
Mas a fé no poder dos EUA sempre obliterou alguns detalhes inconvenientes, como o fato de a população e o poderio militar iranianos eclipsarem os dos outros países vizinhos, e o de que os norte-americanos se encontram a mais de 16 mil quilômetros de distância. Em qualquer guerra provável, as cidades do Golfo estariam entre os primeiros alvos, pois, ao contrário do Irã, são extremamente vulneráveis. Uma única bomba poderia estilhaçar, literalmente, o status de Dubai como um centro seguro de comércio, transporte e turismo.
Os sauditas talvez tenham de reconhecer que somente a diplomacia colocará um fim à guerra
Agora, parece que o pesadelo está se tornando realidade. No sábado, diversas baterias de mísseis iranianos driblaram as caras defesas sauditas – fornecidas pelos norte-americanos –, danificando cirurgicamente tanques e refinarias, o que fez o preço global do petróleo disparar. Os estragos foram limitados, mas a mensagem não: o Irã pode estrangular a subsistência econômica do Golfo a qualquer momento.
As consequências políticas foram igualmente assustadoras para Riad. Trump, relutante em ser arrastado para uma guerra que poderia prejudicar suas perspectivas de reeleição, reagiu com sua combinação costumeira de fanfarronice e regateio. Mesmo que o secretário de Estado Mike Pompeo tenha chamado os ataques de "ato de guerra", o governo jogou a decisão para reação na Justiça saudita, relutante em aceitar a responsabilidade.
Ainda é muito cedo para dizer o que resultará de tudo isso. Se as provocações não terminarem em uma guerra aberta – o que quase certamente forçará os EUA a se envolver –, é bem provável que o Irã emerja mais forte em qualquer diplomacia subsequente, seja com a administração Trump ou seus vizinhos no Golfo.
O compromisso norte-americano de proteger as monarquias daquela região vem de 1945, quando Franklin D. Roosevelt se encontrou com o primeiro rei saudita, Abdelaziz ibn Saud, e se tornou mais forte durante a Guerra Fria, quando vários presidentes, de Harry Truman a George Bush, acreditavam que proteger os campos petrolíferos árabes era essencial para combater o comunismo.
O relacionamento passou por alguns testes: primeiro, pelos ataques de 11 de setembro de 2001, nos quais 15 dos 19 autores eram sauditas; depois, pela crença entre os líderes do Golfo de que Barack Obama os abandonara durante os levantes de 2011.
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Contudo, parece ter voltado aos trilhos com a eleição de Trump. A princípio, sauditas e emiradenses achavam que ele seria um guardião ainda mais duro que seu antecessor, mas ficaram mais que satisfeitos quando ele se retirou do acordo nuclear com o Irã e voltou a impor sanções pesadas ao país.
Mais recentemente, porém, esses mesmos líderes se mostraram incomodados com a discrepância entre a retórica de Trump e suas ações. Em junho, ele ameaçou o Irã de "obliteração", depois que o país supostamente abateu um drone norte-americano não tripulado, somente para dar para trás em uma retaliação planejada no último minuto. E sua decisão de demitir John Bolton, o assessor de segurança nacional para lá de belicoso, só reforça a crença de que ele não quer guerra – ainda que muitos temam que tropece e caia de boca em uma.
Os emiradenses agora parecem estar pensando se podem confiar nesse presidente. Após uma série de ataques a petroleiros no Golfo Pérsico, eles se recusaram terminantemente a culpar Teerã, para depois enviar, discretamente, uma delegação diplomática ao Irã. E, de quebra, retiraram a maior parte de suas tropas do Iêmen.
Será que os sauditas vão reagir da mesma forma? Eles estão lutando uma desastrosa guerra por procuração no Iêmen desde 2015, com o objetivo de "ensinar uma lição" aos iranianos – só que agora essa mesma lição parece estar vindo na direção contrária. Os houthis, aliados do Irã, assumiram a responsabilidade pelos mísseis que atingiram a Arábia Saudita na semana passada. Ninguém parece estar levando a declaração a sério, mas a milícia vem disparando drones e mísseis contra a Arábia Saudita com uma frequência cada vez maior. Com isso, os sauditas talvez tenham de reconhecer que somente a diplomacia colocará um fim à guerra.
Trump ainda pode cumprir as expectativas nutridas pelos países do Golfo de que ele derrote e humilhe o Irã. Entretanto, a esta altura, parece mais provável que sua displicência lhes deixe um legado muito diferente e talvez ainda mais duradouro: o reconhecimento de que eles têm de lidar com o Irã sem a ajuda norte-americana.
Robert F. Worth, ex-correspondete do The New York Times, é autor de A rage for order: The Middle East in turmoil, From Tahrir Square to Isis.
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