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Sínteses – A prisão após condenação em segunda instância

O Fla-Flu do Direito Penal brasileiro

(Foto: Felipe Lima)

Como todos sabem, o futebol tem regras definidas. Uma delas é a do impedimento, cujo propósito principal é deixar o jogo dinâmico. O fato é que, mesmo dependendo da interpretação do árbitro, independentemente do auxílio do VAR, a regra não deixa de existir. As regras trazem racionalidade àquilo que é albergado pela paixão. É o que ocorre no futebol e, similarmente (infelizmente), com algumas decisões tomadas no campo do Direito.

Admitir a execução provisória é, além de inconstitucional, uma manobra (anti)jurídica que não resolverá a problemática da demora nos julgamentos

Embates fervorosos sobre decisões acerca de condenações, absolvições e prisões são envolvidas pelo sentimento da paixão e desprovidas de racionalidade. O julgamento sobre a execução provisória da pena, que será retomado em breve, é um exemplo disso: existe norma constitucional versando sobre o assunto e uma grande hostilidade em aplicá-la, decorrente de uma visão apaixonada do utilitarismo. Com a proposta de relativizar o trânsito em julgado, tenta-se um julgamento “útil”, de modo que acalente os anseios de parte significativa da população. Aparentemente, a ideia de antecipar a execução de uma pena é motivada pela demora dos julgamentos finais, cujo resultado seria a impunidade ou o sentimento de impunidade.

A questão da demora nos julgamentos merece, antes de qualquer afirmação desprovida de base científica, ser levada a sério e entendida como um problema complexo que demanda soluções racionais e duradouras. Não se pode solucionar a questão “tapando buracos”; afinal, toda cavidade no asfalto mal coberta merecerá reparos, mais cedo ou mais tarde. Além disso, é preciso destacar que a ação penal pela qual o acusado responde – seja ele quem for – não terá uma decisão final mais rápida só porque a pena está sendo executada antecipadamente. O processo continuará demorando, só que, nesse caso, o acusado aguardará preso o julgamento final.

E se o tribunal de segundo grau errar e não verificar certa nulidade ou inconformidade legal? O que fazer com o “sentimento de impunidade” quando o acusado preso por força de uma execução provisória tem em seu julgamento final uma decisão absolutória? Aqui não importa a cara, a cor, o sexo ou o dinheiro do acusado. Estará ele respondendo a uma pena injustamente.

E não se pode dizer que essas sentenças finais absolutórias são parcelas mínimas de um contingente imenso de processos. De acordo com as diretrizes de um Estado Democrático de Direito, cada pessoa merece a devida proteção jurídica contra as arbitrariedades do Estado. Aliás, essa é uma das maiores conquistas de uma sociedade livre.

Mais falacioso ainda é o argumento de que ninguém vai preso antes do trânsito em julgado. A lei processual penal possibilita que em qualquer fase do processo ou da investigação seja decretada a prisão preventiva quando servir para proteger a ordem pública, a ordem econômica, a conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.

A presunção de inocência está preconizada na Constituição e inadmite relativizações. Admitir a execução provisória é, além de inconstitucional, uma manobra (anti)jurídica que não resolverá a problemática da demora nos julgamentos. Espera-se, racionalmente, que o placar de 6 a 5 a favor da execução provisória seja revertido, ou seja, que os julgadores respeitem a norma constitucional, independentemente da pressão exercida pela “torcida”.

Maria Augusta Souza, advogada criminal, mestre em Direito Econômico, especialista em direito penal e criminologia, é professora do curso de Direito e da pós-graduação em Advocacia Criminal da Universidade Positivo.

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