Ler Luiz Felipe Pondé é sempre interessante. Acompanho suas colunas há anos, e já li praticamente todos os seus livros. Cheguei a pensar que ele pudesse estar exagerando na quantidade, o que tende a sacrificar a qualidade. Mas sua mais recente obra, Como aprendi a pensar, é um excelente resumo dos filósofos que ajudaram a formar seu pensamento e, de tabela, uma breve história da filosofia em si.
Na mesma linha de Ben Shapiro em The Right Side of History, Pondé enxerga o mundo ocidental como “o encontro entre Jerusalém e Atenas”, ou seja, a permanente tensão entre fé e razão. Pondé não esconde sua preferência pelos pensadores antigos, até porque se tornou um critico ácido da modernidade.
Ele bebeu muito das tragédias gregas como fonte de inspiração, das mitologias, e considera que havia uma seriedade maior nas reflexões desses sábios acerca da natureza humana, algo que os “moderninhos” pensam ser irrelevante. A relativa imutabilidade de nossa natureza, em que pese todo o progresso material, é tema recorrente que atravessa sua obra.
Pondé é alguém que sempre flerta com o niilismo e a melancolia, mas encontra forças na virtude para seguir adiante
Filosofar, como diz Pondé, é aprender a fazer perguntas significativas que nos tornam mais inteligentes e interessantes, mas não necessariamente mais felizes. Numa época em que poucos têm a coragem de fazer as perguntas mais incômodas, e quase todos buscam só a “felicidade” aparente, a filosofia dá lugar ao “marketing do comportamento”.
São várias as rotas de fuga para as questões realmente pertinentes. O hedonismo, o consumismo, as seitas heterodoxas: cada um “escolhe” uma maneira de evitar as perguntas relevantes. Não é fácil ter consciência da própria finitude, de nossas fraquezas, da falta de sentido. “Somos seres assustados pela constatação de que somos objetos de forças incontroláveis, e não parece haver sentido no modo como somos afetados por essas forças”, explica o autor. “A vida é fadada ao fracasso. O destino final da vida humana é a derrota”, acrescenta em tom trágico.
Surge a questão: ser ou não ser? A pergunta shakespeariana antecipa em séculos aquela colocada por Camus em O mito de Sísifo, de que o suicídio é a única questão filosófica importante, o resto sendo “engenharia”. Quais as virtudes necessárias para se enfrentar esse fato de nossa finitude sem muito sentido? Como viver sem muita esperança, e sem cair na melancolia, na doença do desespero? Exige, segundo Pondé, maturidade e coragem, virtudes em falta na era infantilizada em que vivemos.
“A tragédia me encanta pela sua maturidade em reconhecer o grande pano de fundo de nossa vida. Os riscos imensos, o reino da contingência cega, a necessidade de coragem, a falta de sentido”, diz. E, ao contrário dos “inteligentinhos” que se julgam sábios só porque são ateus, Pondé tem respeito pelas religiões sérias que, para além dos “picaretas do espírito”, são “sistemas narrativos poderosos que nos alimentam e produzem sólidos mecanismos de sentido para uma vida que carece de sentido ao final”. Em outra ocasião, ele constata que “só idiotas pensam que religião é um assunto para idiotas”.
Os filósofos antigos mergulhavam nas questões difíceis em busca da verdade; nós “mentimos mais do que nossos ancestrais no que tange a nossos projetos de vida perfeita”. Pondé dá um exemplo: “A violência é um traço humano, mas nós, contemporâneos, pelo menos os que se acham do bem, nos julgamos livres desses ímpetos de agressividade”. Ou seja, nós praticamos muito mais autoengano que os clássicos, pois não suportamos a luz da verdade.
Outro traço interessante da formação de Pondé é o enfoque nos aspectos mais práticos da filosofia, sem se importar muito com a metafísica. Com Aristóteles, ele entendeu como o hábito era crucial para a vida: “você pode fazer um curso de meses sobre coragem, generosidade, disciplina, humildade, e sair dele sem ser capaz de uma gota sequer de nenhuma dessas virtudes”. É o hábito que faz o monge. Algo que a turma moderna que faz um “workshop” espiritual de fim de semana ou contrata um “coach” de autoajuda parece incapaz de entender.
Eis onde entram os estoicos, ensinando contenção, a busca de uma vida comedida, “por perceber a efemeridade da paixão e do apego”. Aceitar os limites da vida, lutar contra certas paixões, tudo isso é fundamental para não sair pela tangente. Com o epicurismo, Pondé entendeu que não se trata de dar vazão aos desejos, que normalmente são destrutivos, mas sim de sentir prazer em viver satisfeito com o que se tem, e não viver em busca do que não se tem.
Temas como o livre arbítrio e a existência do mal, muito abordados por Santo Agostinho, também impactaram bastante a formação de Pondé. “Segundo nosso filósofo, o mal nasce da vontade humana que se desprende do Criador e passa a se orientar para as criaturas, entre elas o próprio eu”, explica. Mensagem atual na era do narcisismo, sem dúvida. Aquele que se acha do bem não passa de um mentiroso. Todos somos pecadores, e eis onde entra o conceito de misericórdia, de graça divina. Algo que fortalece em nós a gratidão, virtude igualmente em falta no mundo moderno, repleto de jovens que têm tudo, mas são uns ingratos.
Há muito mais, como o realismo político de Maquiavel e Hobbes contra as utopias vaidosas de Rousseau, o ceticismo dos britânicos como Hume, o individualismo de Locke etc. Dos pensadores mais recentes, Pondé aproveitou alguma coisa, mas admite que encontrou na literatura fonte mais rica de reflexão. Dostoievski, por exemplo, exerceu grande influência em seu pensamento.
Em suma, Pondé é alguém que sempre flerta com o niilismo e a melancolia, mas encontra forças na virtude para seguir adiante. “O problema com as tentativas de fugir da angústia é que, ao falharem, caímos no desespero”, explica. “No desespero de que não haja esperança de sobreviver à angústia”, acrescenta. Mas há esperança. Aceitando que tal angústia é parte inevitável de nossa existência. Que sem ela o sentido da nossa vida já se perdeu.
A coragem está em não ceder ao pânico, escolher a vida. Não é com a lógica que derrotamos o niilismo, mas com a experiência do afeto “fincado no reconhecimento da autonomia para o mal”. Isso, como mostra o escritor russo, traz consigo a possibilidade de redenção, porque destrava a armadilha da vaidade.
Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.
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