O preço da liberdade é a eterna vigilância, alertou Benjamin Franklin. Nunca essa máxima foi tão verdadeira. A ameaça à liberdade jamais desaparece por completo e, no caso latino-americano, ela parece estar sempre à espreita, pronta para a primeira oportunidade de destruir cada direito individual inalienável.
O Foro de São Paulo, uma organização criada pelo PT e pelo ditador Fidel Castro nos anos 1990 para “resgatar na América Latina o que se perdeu no Leste Europeu”, ou seja, para implantar no continente o comunismo, obteve claro sucesso nas últimas décadas. Argentina, Brasil, Equador, Venezuela, Bolívia, Nicarágua, todos viraram satélites cubanos, adotando em graus distintos a mesma receita totalitária esquerdista.
A Venezuela foi o aluno mais exemplar, o caso mais bem-sucedido, do ponto de vista dos golpistas. A democracia foi totalmente destruída, os últimos dissidentes tentam fugir, a economia virou pó e os cidadãos viraram escravos de Maduro e seus capangas milicianos. Na Venezuela, o socialismo deu certo!
Já nos demais países, houve reação a tempo de impedir o pior. Na Bolívia, Evo Morales foi se exilar após decisões judiciais apontando seus golpes nas urnas e atividades terroristas. Mas seu preposto venceu as eleições e o cocalero já se sente à vontade para regressar ao país. Alguns jornalistas querem acreditar, ou fazer seu público acreditar, que Arce será muito diferente do seu mentor, será mais moderado. Esse pessoal nunca aprende...
Na Argentina, Cristina Kirchner foi expulsa do poder, Mauricio Macri venceu com uma plataforma liberal, deixou muito a desejar, traiu boa parte da agenda e permitiu, assim, a volta da agente do Foro de São Paulo, suspeita de vários crimes. Alberto Fernández, seu “poste”, já adota medidas que apontam na direção venezuelana, com cada vez menos espaço para as liberdades individuais e mais asfixia às empresas. É questão de tempo até a Argentina cair no mesmo abismo venezuelano.
No Chile, que conseguiu ficar blindado contra esse fantasma, Michelle Bachelet flertou com parte da agenda, mas sem ousar mexer tanto nas “vacas sagradas”, nas reformas liberais da era Pinochet que permitiram o sucesso relativo do país, com melhor índice de IDH da região. Bachelet foi “lacrar” na ONU, e o empresário liberal Sebastian Piñera chegou ao poder. A esquerda radical literalmente incendiou o país, e a chantagem rendeu frutos: um plebiscito foi aprovado para se criar uma nova Constituição, e provavelmente o Chile terá mais populismo à frente. Ainda não é “game over”, mas é um baita sinal de perigo.
E o Brasil nessa história? Após mais de 14 anos de petismo, o país conseguiu se livrar dessa maldição, e não foi por meio de heróis “limpinhos”. Ou alguém vai mesmo diminuir o papel de um Roberto Jefferson ou de um Eduardo Cunha no processo? Mas o fato é que Dilma sofreu impeachment, e o “poste” de Lula perdeu as eleições para Jair Bolsonaro. O Brasil disse “não” ao Foro de São Paulo, ao comunismo.
O governo Bolsonaro começou muito promissor, montando um ministério técnico, sem divisão em feudos partidários. A ideia era governar por meio de “bancadas temáticas” e pressão das ruas, mas isso parecia um tanto ingênuo. Com um Congresso fragmentado que tem dezenas de partidos, parece piada esperar uma governabilidade dessa forma. E sem mensalão ou petrolão, o que resta?
Acreditar na possibilidade de persuasão dos deputados e senadores com base em bons argumentos e espírito público chega a ser ainda mais engraçado que as opções anteriores. Quem cobrava mais articulação e diálogo do presidente com o Congresso agora reclama do “Centrão”, sem apresentar uma alternativa concreta. O Congresso foi eleito, eis o ponto, e por mais que seja urgente uma reforma política para reduzir poder dos caciques partidários, essa é a realidade que se impõe hoje.
O governo Bolsonaro, portanto, está fadado a decepcionar os “puristas”, aqueles mais românticos, que desconhecem os bastidores da política. As reformas liberais serão desidratadas no caminho, nacos do governo serão cedidos em troca de governabilidade, e não resta muita escapatória. Alguns vão achar que o presidente cedeu demais, outros vão tolerar mais anéis entregues para se preservar os dedos, mas somente os idealistas vão condenar todo tipo de concessão.
Diante desse quadro, causa espanto a postura de certos “liberais”. Eles são muito “prudentes e sofisticados”, bem “limpinhos”, e consideram Bolsonaro a pior coisa que já aconteceu na política nacional. Isso quando o PT ainda era poder “ontem”, e teve um segundo lugar em 2018 com dezenas de milhões de votos. Essa turma tucana flerta com o perigo, pois no fundo tem mais ojeriza da direita imperfeita que da esquerda radical. Basta ver FHC preocupado com reeleição só agora, enquanto nada falava quando Lula e Dilma utilizavam o recurso.
Na mídia, há toda uma legião desses tucanos e também de petistas dissimulados, todos desesperados com a “ameaça” bolsonarista à democracia, mas muito tranquilos com os rumos da Argentina. São os “pragmáticos” que demonizam a “ala ideológica” do governo, pois são muito tolerantes, mas não toleram nada à direita da social-democracia tucana. A esquerda moderada sempre foi instrumento da esquerda radical.
A narrativa dessa patota é a de que o comunismo já morreu faz tempo, que isso é paranoia de reacionário. São os mesmos que tentam jogar até Maduro no colo da direita ou forçar uma comparação entre o ditador socialista e o presidente Bolsonaro. É sempre a mesma coisa: “deturparam Marx”, e o “socialismo do século 21” é, na verdade, um projeto fascistoide disfarçado – como se todo experimento socialista não fosse justamente o fascismo em pele de cordeiro!
O Foro de São Paulo não está morto e enterrado. Ao contrário: ele respira, reage e avança. Seus tentáculos vermelhos alcançam vários países latino-americanos e, dependendo do resultado da eleição americana, seu maior oponente será substituído por um democrata bobão, que já anda com vários radicais do mesmo perfil. Defender a liberdade não é moleza. Exige clareza moral, coragem de remar contra a maré politicamente correta, e disposição para lutar pelo que ama. A liberdade nunca está a mais de uma geração de ser perdida, alertou Reagan. Quem diz que o comunismo morreu é o mesmo que torce pela volta do PT. Todo cuidado é pouco!
Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.
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