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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

Tema dominante nas pautas do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional, o foro por prerrogativa de função – erroneamente denominado de “foro privilegiado” – vem sendo considerado por parcela dos juristas e pela maioria esmagadora dos veículos de comunicação como o grande vilão do combate à corrupção. Injustiça sem tamanho com o STF, instituição que deu mostras de sua isenção e eficiência quando do julgamento da Ação Penal 470 (o mensalão), ao condenar figurões da política antes tidos por intocáveis. Isso sem contar tantos outros casos penais, como o de Natan Donadon (AP 396) e Paulo Maluf (AP 863).

Aliás, as discussões a propósito do tema não são novidadeiras. Já no regime constitucional anterior o STF decidiu, na Rcl 473, segundo o voto do ministro Victor Nunes Leal: “a jurisdição especial, como prerrogativa de certas funções públicas, é, realmente, instituída, não no interesse pessoal do ocupante do cargo, mas no interesse público do seu bom exercício, isto é, do seu exercício com o alto grau de independência que resulta da certeza de que seus atos venham a ser julgados com plenas garantias e completa imparcialidade. Presume o legislador que os tribunais de maior categoria tenham mais isenção para julgar os ocupantes de determinadas funções públicas, por sua capacidade de resistir, seja a eventual influência do próprio acusado, seja às influências que atuarem contra ele. A presumida independência do tribunal de superior hierarquia é, pois, uma garantia bilateral, garantia contra e a favor do acusado”.

A comunidade jurídica precisa resistir a arroubos retóricos populistas

Da mesma forma, sob a égide da Constituição de 1988, decidiu o STF, pela pena de Nelson Jobim (Rcl 2138-6), que o foro especial impede “que se banalizem procedimentos de caráter penal ou de responsabilidade com nítido objeto de causar constrangimento político aos atingidos, afetando a própria atuação do governo e, por que não dizer, do próprio Estado”.

Ademais, para quem ainda pensa haver um privilégio do acusado detentor de foro especial, a nova conformação das inelegibilidades introduzida com a Lei da Ficha Limpa impõe obstáculo à candidatura já a partir da primeira decisão de um tribunal, enquanto que outro cidadão não detentor de foro já condenado por um magistrado de primeiro grau estaria apto a concorrer a um cargo eletivo. Isso sem contar a oportunidade reduzida de buscar a absolvição, a qual é bem mais ampla quando o processo se inicia no juízo de piso, com mais instâncias recursais.

Pelo fim da leniência: Momento de pressionar contra o instituto da impunidade (artigo de Luiz Carlos Borges da Silveira, ex-ministro da Saúde)

Para arrematar, basta pensar na situação do Judiciário. Haveria lógica de um desembargador ser julgado por um juiz que lhe é hierarquicamente subordinado? Basta lembrar o que foi dito pelo ministro Cezar Peluso na Pet 3.211: “seria absurdo ou o máximo do contrassenso conceber que ordem jurídica permita que ministro possa ser julgado por outro órgão em ação diversa, mas entre cujas sanções está também a perda do cargo. Isto seria a desestruturação de todo o sistema que fundamenta a distribuição de competência”.

A comunidade jurídica precisa resistir a esses arroubos retóricos populistas. A função da jurisdição penal é essencialmente contramajoritária e assim deve ser para que o Estado de Direito sobreviva, mesmo na UTI.

Rodrigo Cyrineu, advogado especialista em Direito Eleitoral, Constitucional e Administrativo, é mestrando em Direito Constitucional e membro-fundador e atual tesoureiro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
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