“O número de jornais diminui ou cresce numa nação democrática, à proporção que a centralização administrativa é maior ou menor.” - Alexis de Tocqueville, A Democracia na América
Para que servem os jornais ou, atualmente, os blogs, sites e redes sociais? Qual a finalidade mais básica desses meios de comunicação? Primeiramente, ser propriamente meios de comunicação. Isso não é corriqueiro, caro leitor. Na verdade, há uma espécie de satisfação antropológica nisso. O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein escreveu acertadamente que “as fronteiras da minha linguagem são as fronteiras do meu universo”. A comunicação e a linguagem estão na base da nossa constituição enquanto seres humanos; e delas usamos para buscar determinados fins dentro de nosso universo de conhecimento.
Esses fins, independentemente de quais sejam, quase nunca são buscados de forma isolada e individual. Buscamos geralmente em bandos. Caçamos em tribos. Fica mais fácil. Para usar a linguagem do historiador Alexis de Tocqueville, realizamos associações com outros indivíduos para alcançar fins. Aliás, a definição para associações é esta: organizações resultantes da reunião legal entre pessoas para a realização de um objetivo em comum. As associações podem ter vários objetivos: sociais, econômicos, políticos, religiosos, esportivos etc. É a partir dessas associações que usamos os meios de comunicação para satisfazer nosso anseio humano pela sociabilidade.
Existe uma diferença básica entre associações forçadas, como os “companheiros do Gulag” descritos em Arquipélago Gulag, de Alexander Soljenítsin, e livres associações. Historicamente, as livres associações só conseguiram florescer em contextos onde a liberdade política era respeitada. Não havia associações livres na socialista União Soviética, nos totalitarismos da Alemanha nazista e da Itália fascista. Não houve na revolucionária Cuba e não há na atual comunista Coreia do Norte. Onde os nomes Lenin, Mao, Guevara e Fidel eram sinônimos de autoridade, a livre associação era sinônimo de rebelião. Por outro lado, como apontou Tocqueville, os democráticos Estados Unidos foram o berço das livres associações.
Sendo assim, os meios de comunicação, no contexto de nações verdadeiramente livres – isso é, democráticas – fazem parte do meio pelo qual essas livres associações se utilizam para publicar e compartilhar suas posições, suas histórias, suas metas, suas conquistas, seus princípios e suas críticas. Os jornais – esse termo genérico que estou usando para todo tipo de comunicação formal e frequente – são para as associações, segundo Tocqueville, “um meio de marcha unida sem estarem reunidos [fisicamente]”.
Onde está o problema, então? Ora, precisamos pensar que onde não há legitimidade de liberdade para realizar livres associações e para elas se servirem dos meios de comunicação para divulgar suas metas, não há absolutamente nenhuma necessidade de jornais! Estranho? Bem, o raciocínio é muito simples: ou os jornais e jornalistas são independentes numa democracia para apoiar suas próprias pautas e fortalecer as associações amigas, ou então servem apenas para publicação de informativos públicos e ações governamentais centralizadoras e totalitárias disfarçadas de matéria jornalística. Se as livres associações simplesmente sumissem, sobre o que os jornalistas iriam escrever?
Portanto, para a imprensa, de um lado temos o centralismo governamental que inibe as liberdades individuais, e de outro temos a democracia política, que promove a liberdade individual. E, nesse diálogo, só um pode fornecer o fundamento da imprensa. A liberdade! A liberdade é a base para o jornalismo independente, pois somente jornais independentes abrem espaços para associações independentes, e onde há associações livres há sinais de um bom encaminhamento democrático. Como escreveu Tocqueville, existe “uma relação necessária entre as associações e os jornais: os jornais fazem as associações e as associações fazem os jornais”.
Um bom sinal para verificar o bom andamento da democracia é avaliar quantos meios informativos independentes existem, e quantos já foram censurados pelo centralismo governamental. Segundo o economista Milton Friedman, “os maiores avanços da civilização (...) nunca vieram de um governo centralizado” e, se queremos sites ou redes sociais independentes, blogs autônomos e um jornalismo soberano em sua própria esfera, para usar os termos do estadista holandês Abraham Kuyper, precisamos que as liberdades individuais sejam respeitadas e as livres associações promovidas.
Para os meios de comunicação continuarem a existir sem restrições, a liberdade individual é imperativa. Se queremos mais jornais, maiores formas de expressão, menos impedimento em divulgar e promover nossos projetos e perspectivas, o primeiro requisito é o retorno à liberdade de associação. Por outro lado, aqueles que estão promovendo a centralização e a constante interferência no governo nas liberdades estão, conforme disse o liberal Ludwig von Mises, “pedindo mais coerção e menos liberdade.”
Há nisso tudo uma tripla relação que está indissociavelmente entrelaçada. A liberdade individual, a livre associação e o crescimento dos meios de comunicação caminham juntos, se complementam e se arrumam. Pois, se as livres associações se multiplicam à medida que as condições de liberdade se igualam entre os indivíduos, os jornais aumentam à medida que as associações proliferam.
O fundamento da imprensa são as livres associações, e essas correm perigo com a centralização governamental crescente em nosso país. Quantos indivíduos, associações, sites e jornais terão de ser calados pelo governo para percebermos isso? Não estamos lutando por determinado veículo de comunicação, estamos lutando contra o crepúsculo da tirania totalitária contra todos nós.
Fernando Razente é historiador com atuação em rádio, assessoria e mídia.
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