| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

Recente operação policial apontou que as concessionárias de pedágio do Anel de Integração cometeram uma série de irregularidades tanto na licitação de origem quanto na manipulação artificial de custos. Com isso, foram fixados ao longo do tempo valores abusivos de tarifa e foi postergada a realização das obras previstas em contrato. Tudo com o objetivo de aumentar o ganho das empresas e de agentes públicos envolvidos, em prejuízo de toda a sociedade. O episódio gerou intensas discussões em diversos setores, de modo que convém indagar se há fundamento jurídico para a diminuição imediata das tarifas de pedágio ou mesmo para a extinção antecipada dos contratos de concessão.

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De início, deve-se rememorar que o alto custo do pedágio no Paraná decorre do próprio modelo de contratação adotado em 1997. Na época, o processo licitatório não adotou como critério o menor valor da tarifa de pedágio, mas o compromisso de conservar o maior número de trechos de acesso. Além disso, logo após o início de sua execução, uma alteração contratual promovida pelo estado do Paraná produziu um sem-número de ações judiciais e diversas outras alterações contratuais. Como se sabe, nenhuma medida administrativa ou judicial evitou o constante aumento das tarifas e a irrisória melhoria das estradas paranaenses.

Não se pode responsabilizar o ordenamento jurídico pela falta de respostas efetivas à questão do pedágio no Paraná

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Isso ocorreu porque as cláusulas contratuais originárias previram determinado retorno financeiro às concessionárias. Tal expectativa de ganho, desde que pactuado por regular processo licitatório, consubstancia o que em Direito se denomina “equilíbrio econômico-financeiro” do contrato. Assim, havendo ampliação dos deveres contratuais privados, deve haver proporcional aumento do valor a ser pago; havendo diminuição do valor, deve haver proporcional diminuição dos deveres contratuais privados; e havendo extinção antecipada do contrato, deve haver prévia indenização às concessionárias. Essa garantia tem previsão constitucional e existe para dar segurança jurídica contra eventuais abusos por parte do poder público. Não fosse assim, nenhuma empresa celebraria contratos de concessão no Brasil.

Considerando que, em todo esse tempo, jamais foi comprovado tecnicamente que as tarifas de pedágio estavam superestimadas, nada mudou. Assim, a exigência de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos travou historicamente as tentativas de diminuição das tarifas ou mesmo extinção dos contratos de pedágio no Paraná. Nesse ponto é que se inserem as recentes denúncias do Ministério Público Federal, pois o descumprimento de deveres legais e contratuais pelas concessionárias permite a extinção antecipada dos contratos sem pagamento de indenização prévia.

Tal hipótese de extinção dos contratos é denominada de “caducidade” e sua decretação pelo poder público depende da comprovação das irregularidades, por meio de processo administrativo e com observância do contraditório e da ampla defesa. Tais garantias também constam da Constituição Federal e voltam-se a conter eventuais abusos por parte do poder público. Não fosse assim, novamente, nenhuma empresa celebraria contratos de concessão no Brasil.

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Outra medida prevista pelo ordenamento jurídico para o caso de descumprimento do contrato ou da lei pelas concessionárias consiste na intervenção pelo poder público, a fim de assegurar a adequada prestação do serviço. Nessa hipótese, com a nomeação de um interventor, a administração pública assume o comando do contrato em nome da empresa. A partir daí é instaurado um processo administrativo para apurar as causas determinantes da intervenção. Comprovadas as irregularidades, a administração pública pode extinguir o contrato, aplicar as sanções cabíveis e cobrar o ressarcimento pelos prejuízos causados. Em qualquer caso, a medida adotada pelo poder público deve levar em conta os padrões de interpretação previstos pela nova Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que entrou em vigor em abril deste ano. Segundo a LINDB, o administrador público é obrigado a tomar todas as precauções no sentido de que seu ato não cause mais transtornos que benefícios ao interesse público. Para tanto, a lei exige a “análise das consequências práticas da decisão”, bem como a “demonstração da necessidade e da adequação da medida imposta, inclusive em face de possíveis alternativas”.

Já aos envolvidos nas supostas irregularidades no pedágio paranaense, o ordenamento jurídico brasileiro prevê uma série de consequências. Para as empresas, a Lei Anticorrupção prevê penas que vão da aplicação de multas, passam pela proibição de contratação com o poder público e chegam à interdição e dissolução compulsória da pessoa jurídica. Para os agentes públicos e pessoas físicas beneficiárias dos desvios, a Lei de Improbidade estabelece o pagamento de multa civil, a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos. Isso sem contar a inelegibilidade decorrente da Lei da Ficha Limpa e as penas privativas de liberdade previstas pela legislação penal. E para terminar, em todos os casos, a legislação determina a devolução aos cofres públicos de todos os valores indevidamente obtidos, tanto por pessoas físicas quanto por pessoas jurídicas.

Como se pode perceber, em que pese a complexidade do tema, não se pode responsabilizar o ordenamento jurídico pela falta de respostas efetivas à questão do pedágio no Paraná. Os recentes acontecimentos podem colaborar na compreensão do problema e na escolha da solução mais adequada, o que deve ocorrer nos estritos limites legais. Tais limites não dão margem à extinção imediata dos contratos e tampouco à diminuição repentina e unilateral do valor das tarifas. Isso não afasta, contudo, a possibilidade de intervenção nas concessionárias, bem como a tomada de medidas cautelares contra as pessoas físicas e jurídicas envolvidas, a fim de garantir o pagamento de multas e a reparação dos danos causados – os quais podem ser, inclusive, destinados a melhorias nas estradas.

Fernando Borges Mânica, doutor em Direito, é professor titular de Direito Administrativo do curso de Direito da Universidade Positivo.