Há uma frase antológica – “no Brasil, até o passado é incerto” – recorrentemente atribuída ao ex-ministro Pedro Malan. E, se ironicamente o passado já é povoado de incertezas, o que se dirá do futuro diante de uma nova e complexa realidade que ainda se rascunha? Os acrônimos “Vuca” e, mais recentemente, “Bani” definem, nos seus termos em inglês, as expectativas com adjetivações, como “incerto”, “volátil”, “ansioso”, “incompreensível”, “não linear”.
As inovações tecnológicas promovem, cada vez mais rapidamente, profundos redesenhos nas funções laborais tradicionais e, diante de uma névoa de imprevisibilidade, há muitos estudos que sugerem rasgos de luz. Aproximadamente 65% das profissões – de acordo com o Fórum Econômico Mundial – que nossas atuais crianças exercerão quando adultas nem sequer existem hoje. E o que dizer das dezenas de ocupações que desaparecerão em duas ou três décadas? Porém, em vez de perscrutar as profissões mais promissoras para o futuro – campo em que até mesmo os especialistas divergem e onde não faltam especulações –, propomos aqui habilidades e competências que, uma vez promovidas e estimuladas por escolas e famílias, propiciarão aos educandos e filhos um bom desempenho profissional no futuro, funcionando como um sistema de vasos comunicantes: um retroalimenta o outro.
Afinal, aqueles alunos que desenvolvem adequadamente as chamadas soft skills (habilidades comportamentais) duplicam o rendimento nas hard skills (habilidades técnicas), aponta estudo desenvolvido pela McKinsey & Company, renomada consultoria empresarial norte-americana. Em outras palavras, os desempenhos acadêmico e profissional são potencializados pela flexibilidade, criatividade, empatia, resiliência, solidariedade, positividade, adaptabilidade, gestão de tempo, comunicação interpessoal etc.
É comum as empresas contratarem profissionais por suas competências técnicas e os demitirem por suas inabilidades no trato humano. Um ambiente abundante em posturas de respeito, reconhecimento mútuo e senso de coletividade induz à maior produtividade, inovação e motivação. É evidente que competência técnica é relevante; no entanto, é imprescindível a disposição para se adaptar às necessidades da empresa ou, em outras palavras, ser darwinista, uma postura essencial para os dias de hoje.
Semelhantemente, muito valorizado é o tal do resolvedor de problemas, aquele profissional que é expedito, que tem gestão focada em resultados para os stakeholders – usando uma linguagem corporativa. Busca as soluções e não os culpados pelos erros, demonstrando para a equipe que dos equívocos pode-se tirar importantes lições – o nome disso é liderança. Requer, além das habilidades socioemocionais e competência técnica, um bom raciocínio lógico.
E já há ampla comprovação científica de que novas redes neurais se formam por meio de atividades que exijam esforço mental, reflexão, abstração e análise crítica – infelizmente pouco valorizadas na cultura brasileira –, que se praticadas desde cedo (na escola e em casa) levam a uma boa performance escolar e, no futuro, laboral. Ipso facto, desenvolver o pensamento lógico é uma das principais incumbências dos pais e professores, concomitantemente à indispensável apropriação do conhecimento.
Quando da visita de Howard Gardner – psicólogo e professor da Universidade de Harvard – ao Brasil, em 2009, na plateia éramos cerca de 100 privilegiados educadores. Julgo que seu maior mérito foi valorizar e inserir no espectro da sua Teoria das Inteligências Múltiplas as inteligências interpessoal, intrapessoal e lógica. Quando uma diretora de escola lhe perguntou quais as mais valorizadas para o mercado de trabalho e para a vida, Gardner foi enfático: é a combinação do pensamento lógico com a capacidade de lidar com as pessoas. E anotei uma de suas últimas frases: “Inteligência é a capacidade de solucionar problemas”.
Todas as crianças e adolescentes têm potencialidades e limitações. É necessário que seja desenvolvido nas escolas e nas famílias um novo modelo mental (mindset) para um mundo não linear, incerto, multidisciplinar, no qual raciocínio lógico, adaptabilidade e habilidades socioemocionais são imprescindíveis para o futuro tanto no campo profissional como pessoal.
Jacir J. Venturi é professor, diretor de escolas e universidades públicas e privadas e vice-presidente do Conselho Estadual de Educação do Paraná.