| Foto: International Institute of Social History/Wikimedia Commons
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O futuro se diverte contrariando seus profetas. Quanto mais longe desde a data de uma previsão até a data de sua ocorrência, maior a probabilidade de erro. Porém, não escapamos de imaginar o futuro, construir cenários, fazer previsões, planejar e tomar decisões, ainda que em condição de incerteza.

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Pessoas, famílias, profissionais, empresários e líderes políticos, diante das agruras do presente, têm o desafio de construir o futuro. Por isso, uma das principais características do bom líder é seu instinto visionário.

Há dois jeitos de lidar o futuro. Um é estudar história, conhecer o passado, comparar fatos e épocas, analisar o presente e, com ciência e método, prever o futuro, montar planos e agir. Outro jeito é simplesmente adotar uma crença e fazer previsões sem estudo e sem exercício intelectual.

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Fazer previsões e agir com base em estudos técnicos e científicos é uma atitude profissional. Ter opinião sobre o futuro por mera crença, sem estudo e sem ciência, é uma atitude amadora, é o reino dos palpites.

O momento atual, de grave crise em função da pandemia, abriu as portas para todo o tipo de futurologia, das mais otimistas às mais catastróficas. Mas o mundo vive desmentindo seus profetas, especialmente os arautos da desgraça, o que recomenda cautela e um pouco de humildade no hábito de prever o futuro, pois os exemplos de profecias trágicas que não acontecem são muitos.

O padre britânico Thomas Malthus (1766-1834) formulou sua teoria populacional, na qual afirmava que a produção de alimentos cresce em progressão aritmética enquanto a população segue aumentando em progressão geométrica. Para ele, haveria uma explosão populacional e o mundo não teria alimentos para todos. Ele se baseou nos dados dos anos 1785 a 1790, quando houve aumento na taxa de natalidade e diminuição na taxa de mortalidade, e a taxa de crescimento populacional dobrou.

A possibilidade de a população crescer explosivamente e a produção de alimentos não conseguir acompanhar levou Malthus a publicar a obra An Essay on the Principle of Population (1798) afirmando que haveria grave escassez de alimentos e uma pandemia de fome. Embora padre, ele propunha controlar o crescimento populacional. O mundo atingiu 1 bilhão de habitantes em 1830, dobrou em 1930, chegou a 3 bilhões em 1960, hoje somos 7,7 bilhões e, em 2050, a Terra deve chegar a 9,5 bilhões.

Malthus acertou na previsão sobre o crescimento exponencial da população mundial. Mas ele foi desmentido quanto à epidemia de fome. A revolução tecnológica e a revolução agrícola elevaram a produção também exponencialmente. Outra previsão na mesma linha foi feita, em 2009, por Stephen Lebb no livro Fim de Jogo. Ele propôs uma pergunta: a humanidade pode desaparecer? E levantou a hipótese de que o mundo caminharia para um desastre e poderia provocar o desaparecimento da espécie humana caso não resolvesse seus dramas atuais.

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A dependência em relação ao petróleo estava no centro das preocupações de Lebb, pois esse recurso é esgotável. Ele desenhou um quadro pessimista e afirmou que o crescimento populacional, o esgotamento das reservas de petróleo, o crescimento dos países pobres e a escassez combinada de energia e alimentos poderia gerar a catástrofe. Hoje, o mundo está perto de conseguir boas alternativas ao fim das reservas de petróleo. Parece que Lebb será desmentido.

Karl Marx (1818-1883), embora sua análise sobre o funcionamento das fábricas em seu tempo seja poderosa, tecnicamente complexa e verdadeira em vários aspectos, alguns válidos até hoje, a previsão de que o capitalismo geraria sua própria destruição falhou.

Aliás, a crítica de Marx contribuiu para mudanças no que ele chamou “modo de produção capitalista”, as relações no trabalho foram reguladas, as jornadas diárias foram reduzidas, o trabalho de mulheres e crianças foi limitado e o regime cruel do trabalho nas fábricas foi superado.

Ademais, Marx foi impactado, e analisou com alta complexidade técnica, o mundo do trabalho na sociedade industrial vigente até a publicação do livro O Capital em 1867. Por indústria, entende-se também a agricultura. Ocorre que 70% do Produto Interno Bruto de países como o Brasil é feito no setor terciário (comércio e os demais serviços empresariais e pessoais). Isso significa que a massa de trabalhadores passa longe do emprego na agricultura e na indústria.

Um operário em uma fábrica inglesa nos anos 1850 e o trabalhador em um banco ou no comércio hoje têm condições de trabalho tão diferentes que a comparação não se aplica. Mas a análise de Marx continua válida em muitos outros pontos, como a legião de pobres, o grande número de desempregados e os que são abandonados na velhice após uma vida de trabalho. Portanto, é bom usar Marx para não ser marxista e para melhorar o capitalismo, pois o socialismo não é solução viável.

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Marx não imaginava que sua teoria profetizando violenta luta de classes entre capitalistas e operários e o fim capitalismo viria a ser justificativa para criação do mais sanguinário regime de todos os tempos: o comunismo, que exterminou mais de 100 milhões de vidas. Ele também nunca imaginou que, uma vez implantado sob tanta violência, o comunismo seria derrubado por suas vítimas, não por seus adversários, ainda antes do fim do século 20.

Há coisa de cinco anos, o escritor Yuval Harari (1976-) levantou a hipótese de o mundo criar uma enorme classe sem utilidade, um desemprego de milhões de pessoas. A quarta revolução tecnológica, em andamento, as máquinas inteligentes e os robôs cognitivos, segundo ele, irão tomar o lugar do ser humano em muitas de atividades, inclusive as intelectuais, e a humanidade não tem ideia de qual a solução para a multidão de desocupados.

A humanidade tem o enorme desafio de solucionar os graves problemas da pobreza, da fome e do desemprego e da proteção à velhice, tudo isso sob um regime de liberdade e paz social. Os profetas da desgraça são úteis: eles chamam a atenção para os vícios e os desvios do bom caminho. Em muitos casos, é a previsão da tragédia que leva a humanidade a agir para que ela não aconteça.

José Pio Martins, economista, reitor da Universidade Positivo.