Sabe aquela criança que, desde cedo, se mostra "fora da caixa"? Não precisa ser um gênio ou conhecer tudo sobre todos os assuntos, mas é alguém que age e pensa de maneira singular. Talvez você perceba que ela diverge em pequenas coisas — na forma de olhar o mundo, de responder a perguntas ou até na sensibilidade para detalhes que escapam aos outros, inclusive em sensibilidades sensoriais. Assim como os X-Men, que possuem habilidades únicas que os diferenciam da maioria, as pessoas com Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD) experimentam o mundo de forma distinta, mas nem sempre de maneira tão evidente. Muitas vezes, essas nuances são comuns no ambiente familiar, tornando difícil perceber que estamos diante de um caso de superdotação.
A superdotação é uma forma de neurodivergência que vai além de uma inteligência elevada. É o resultado de um neurodesenvolvimento atípico, que impacta profundamente a maneira como o cérebro processa informações e interage com o ambiente. Pessoas superdotadas têm uma habilidade excepcional de hiperconexões neuronais, que permitem um processamento mais rápido e profundo de informações, mas esse desenvolvimento diferenciado também afeta os sentidos. Superdotados tendem a experimentar o mundo de maneira intensificada, com uma sensibilidade ampliada aos estímulos visuais, auditivos, táteis e olfativos, percebendo detalhes que passam despercebidos à maioria.
A ciência nos mostra que a superdotação é um fenômeno dinâmico, moldado pela interação entre genética e ambiente
A superdotação é genética? Temos evidências que sim, existe uma robusta base genética, mas não da forma clássica “A” (dominante) e “a” (recessiva). Diferente da herança mendeliana (onde um único gene define uma característicaca – como o gene X define os poderes dos X-Men), a superdotação segue um modelo multifatorial, o que significa que vários genes atuam juntos e são modulados pelo ambiente. Assim como a maioria das nossas características são do tipo multifatorial, mas o surpreendente na superdotação é que além de multifatorial, seu modelo de herança é diferenciado, a hipótese é do modelo emergênico epigenético. Aqui, os genes não se somam, mas atuam como maestros que orquestram um conjunto de genes importantes ao processo do desenvolvimento cognitivo e sensorial, de forma única, por vias epigenéticas, criando uma interação complexa e fascinante.
Neste contexto, se um dos pais é superdotado, a probabilidade de que os filhos também sejam é maior, mas isso não é regra, pois depende da combinação genética única de cada indivíduo. E isso explica por que, mesmo sem histórico familiar de superdotação, uma criança pode expressar essas características quando a combinação propiciou uma interação multiplicativa.
À medida que o mapeamento genético avança, estamos começando a entender o que faz o cérebro de uma pessoa superdotada funcionar de maneira diferenciada. Assim como não temos o gene da superdotação, mas sim inúmeras combinações genéticas e interações epigenéticas, não temos também um teste genético para identificação da superdotação. O que temos é o conhecimento de genes e rotas compartilhados em populações superdotadas e eles nos auxiliam cada vez mais a compreender como cada pessoa é única e que combinações diferentes podem resultar na mesma condição, como a superdotação.
A ciência nos mostra que a superdotação é um fenômeno dinâmico, moldado pela interação entre genética e ambiente. Assim como nos X-Men, onde os mutantes possuem habilidades únicas que os destacam, os superdotados também apresentam características que os fazem sobressair, mas essa diferença pode levar a sentimentos de isolamento e incompreensão, tanto na vida familiar quanto social.
Nesse contexto, o conhecimento genético deve ser utilizado como ferramenta para promover inclusão, entendendo a diversidade cognitiva, como a superdotação, sem cair em discursos eugênicos. A genética tem o potencial de trazer luz e compreensão a esses fenômenos, favorecendo uma sociedade mais inclusiva e acolhedora.
Daiane Simão é geneticista/bioeticista, especialista em Saúde de Precisão.
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