A PEC 56/2019 pretende, em síntese, prorrogar pelo prazo de dois anos os mandatos dos atuais prefeitos e vereadores eleitos, estendendo-os até o fim de 2022, ou seja, o mesmo ano em que terminam os mandatos dos governadores, senadores, deputados federais e estaduais, bem como o de presidente, todos eleitos em 2018, com intuito de unificar as eleições no país. A proposta, de autoria do deputado federal Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC), pretende-se alinhada com o interesse público e supostamente apresenta diversas vantagens, em especial a economia dos recursos públicos gastos nas eleições.
Entretanto, tal PEC se mostra claramente inconstitucional, eis que interfere na própria ideia de sufrágio universal, previsto no artigo 14 da Constituição Federal de 1988, que dispõe: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”.
Ressalte-se, o sufrágio que escolheu os prefeitos e vereadores no Brasil nas últimas eleições o fez por apenas quatro e não seis anos. Sendo assim, não pode haver prorrogação de mandato em andamento, pois seria o mesmo que dar o “drible da vaca” no processo democrático: desvirtuar a escolha feita pela população.
Para solucionar o descompasso entre os mandatos de prefeitos e vereadores com os demais atores políticos do país, unificando as eleições, seria possível a edição de emenda constitucional criando mandato com prazo menor, isto é, para o período de 2020 até 2022. Criaria-se, assim, um mandato de transição sem desrespeitar o sufrágio de 2016, realizado para período determinado. Qualquer decisão parlamentar que pretenda alongar mandatos em andamento será arbitrária e inconstitucional.
Para agravar o debate, atualmente, no contexto da pandemia que vivemos, surgiu o argumento de que é necessário prorrogar os mandatos dos prefeitos e vereadores no Brasil para que, não havendo eleições, seja possível utilizar o dinheiro do fundo eleitoral para aplicá-lo no combate ao Covid-19. Contudo, o argumento é falacioso e não resiste ao mínimo esforço de lógica pois, independentemente da realização das eleições em 2020, é possível aprovar no Congresso Nacional a destinação total ou parcial do fundo eleitoral para o combate ao coronavírus, o que por certo não interfere na prorrogação de mandatos pretendida pela malfadada PEC 56/2019.
O argumento de utilização do fundo eleitoral para ajudar no combate à pandemia não pode servir, e soa como argumento oportunista, como elemento para legitimar um efetivo golpe de Estado. Prorrogar qualquer mandato eletivo de prefeitos e vereadores que não foram eleitos para tanto caracterizaria ofensa ao comando constitucional da duração dos mandatos por prazo determinado, uma das regras de ouro do jogo democrático.
A PEC 56/2019 viola dispositivos constitucionais, em especial a soberania popular exercida pelo voto para mandatos com prazos determinados. Por fim, cabe registrar que os fundamentos contrários à PEC não são apenas argumentos retóricos ou um jogo de palavras, mas sim limites para a garantia da própria ordem democrática que não podem sucumbir a impulsos aparentemente republicanos. Ainda é relevante lembrar que em todas as rupturas democráticas as regras do jogo sucumbiram diante de valores escolhidos ao prazer dos Donos do Poder. É uma questão de escolha.
Flávio Pansieri, advogado e pós-doutor em Direito, é professor adjunto da PUCPR, fundador da Academia Brasileira de Direito Constitucional, diretor da Escola Judiciária do TSE e conselheiro federal da OAB.
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