Amanhã completam-se 50 anos de uma das páginas mais tenebrosas da história brasileira contemporânea, o golpe militar de 1964. É interessante notar que, em função de um certo viés de análise ou por puro desconhecimento sobre o tema, paira sobre o período uma aura de grande eficiência e avanços na economia brasileira. Em grande medida, esta visão pode ser creditada ao acelerado ritmo de crescimento verificado no período, especialmente durante o chamado "milagre econômico" (1968-1973), no qual a taxa média de crescimento do PIB foi de 11% ao ano. Na mesma direção contribuem alguns avanços institucionais na área econômica (tal como a criação do Banco Central) e a realização de investimentos em setores de infraestrutura (especialmente na geração e distribuição de energia elétrica).
Uma análise um pouco mais aprofundada, no entanto, revela o verdadeiro sentido e a herança desse período para o país. Um primeiro aspecto deve ser destacado: crescimento econômico, ainda que essencial, não pode ser confundido com desenvolvimento. Não basta aumentar o nível de riqueza para termos desenvolvimento. Para tanto é preciso que as condições de vida da população de fato melhorem. O período da ditatura foi marcado pela piora na distribuição da renda e pelo aumento no número absoluto e relativo de pobres no país. A lógica prevalente defendia que era preciso aumentar o bolo para depois pensar em distribuí-lo. O bolo aumentou, mas somente uma pequena parcela da população foi chamada para comê-lo.
O modelo também era caracterizado pela complacência com as altas taxas de inflação, e não se fala aqui da precisão decimal com que se discute a inflação atualmente, mas sim de taxas de inflação na casa dos dois ou três dígitos. A partir de 1980 o IPCA passou a registrar taxas de inflação superiores a 100% ao ano. O período imediatamente posterior ao golpe (1964-1967), sob a lógica do Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg), foi um dos poucos momentos em que o tema da inflação foi tratado com o merecido cuidado, ainda que os resultados tenham sido parciais. A leniência no trato com a inflação e a criação da correção monetária, assim como a difusão dos mecanismos de indexação, foram os germes fundamentais para a explosão da hiperinflação na década de 1980.
O modelo de crescimento excludente apresentava ainda outras falhas graves. Apontam-se aqui apenas algumas. O padrão de financiamento, especialmente entre 1968 e 1980, foi caracterizado pelo uso extensivo do endividamento externo como forma de financiamento da economia. Parte substantiva dessa dívida foi contraída para financiar projetos megalomaníacos, dos quais a Transamazônica talvez seja um dos mais bem acabados exemplos. O choque da taxa de juros internacional de 1979 foi fatal para uma economia altamente endividada, elemento chave para entender a "década perdida" dos anos 1980.
A incapacidade de planejar olhando para a frente foi também uma das marcas mais relevantes dos presidentes militares. Todo o projeto industrializante do II PND, por exemplo, concentrava-se na instalação da indústria do velho paradigma típico do pós-guerra. As inovações tecnológicas da Terceira Revolução Industrial passaram longe dos gabinetes militares. Finalmente, tal como o modelo econômico, prevaleceu durante o período um modelo excludente no campo educacional. O absurdo número de analfabetos adultos de hoje ainda é, em grande medida, fruto do descaso com que a educação foi tratada durante a ditadura. Você chamaria este modelo de eficiente ou bem-sucedido?
Marcelo Curado é professor do Departamento de Economia da UFPR.
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