Este texto foi elaborado um pouco antes do resultado do pleito deste domingo; estava, portanto, sujeito às intempéries do clima eleitoral, à gangorra das pesquisas de intenção de voto e aos ventos contrários que o Senhor Imponderável das Neves costuma soprar quando nos visita. As repetidas sinalizações das pesquisas mostravam não haver tempo para o estreitamento da margem de intenção de voto que separava Jair Bolsonaro do petista Fernando Haddad. Sob essas ressalvas, os apontamentos têm como norte a vitória do capitão reformado do Exército, mas, com pequenas alterações, bem poderiam ser dirigidas também ao candidato petista.
A primeira observação vai na direção da mudança de patamar. O ganhador há de entender que será governante de todos os brasileiros, condição que exige altruísmo, compromisso cívico de tentar juntar os cacos quebrados que a campanha proporcionou e que também teve como ferramenta uma linguagem desabrida e radical, usada para fustigar adversários e defender um legado de terror, tortura e medo. Não dê trela ao lema “Nós e Eles”.
Se o país não resgatar a chama do pacifismo, com um chamamento geral ao bom senso, e continuar sob a expressão de expurgo de contrários – como o capitão promete em relação a líderes adversários –, a paisagem poderá ganhar a cor de sangue de confrontos nas ruas entre alas perdedoras e vitoriosas.
Até onde o guru Paulo Guedes poderá desfiar o rolo das privatizações sem romper o casulo do agudo nacionalismo que abriga a casta militar?
Tempos de combate às tradicionais mazelas de nossa cultura política – mandonismo, caciquismo, nepotismo, grupismo, enfim, fisiologismo – não combinam com práticas populistas. Conter custos, racionalizar a máquina administrativa com cortes de contingentes alocados em cargos comissionados, atenuar a burocracia, reduzir o número de ministérios, são medidas que exigem coragem para seguir rígidos padrões na economia, na esteira daquilo que prometia Tancredo Neves, antes de morrer em 1985: “Meu primeiro decreto terá um único artigo dizendo assim: É proibido gastar”.
Urge aprender a andar sobre o fio da navalha, tendo de escolher quadros qualificados e estribados em padrões técnicos e, ao mesmo tempo, atender demandas de partidos que formarão a base de apoio. A lógica do presidencialismo de coalizão contempla a repartição de poder entre parceiros da governabilidade. Mesmo assim, impõe-se o dever de preservar a operacionalidade da máquina, livrando-a de pressões de partidos e grupos, sob pena de comprometer resultados e afetar a dinâmica governativa.
Desafios enormes estão à vista: como compatibilizar a visão nacionalista dos militares, sob a qual viceja a ideia de um Estado forte e preservação de empresas estratégicas nas áreas de energia, petróleo, gás e telecomunicações, e o anseio do Estado mínimo, tão a gosto do mercado, onde habitam interesses de conglomerados privados com a ambição de abocanhar nacos das estatais? Haverá um meio termo que permita dosar políticas liberais com políticas focadas no controle do Estado em áreas vitais? Até onde o guru Paulo Guedes poderá desfiar o rolo das privatizações sem romper o casulo do agudo nacionalismo que abriga a casta militar?
Opinião da Gazeta: A vitória de Jair Bolsonaro e o amadurecimento democrático (editorial de 28 de outubro de 2018)
Leia também: Nunca antes na história deste país (artigo de Alexandre Nigri, publicado em 28 de outubro de 2018)
Áreas sensíveis às massas estarão na vanguarda das prioridades, entre elas, a questão da segurança pública. O tratamento de choque que o novo presidente promete oferecer –, a partir da concepção de que bandido bom é bandido morto –,tem condições de ser empregado? Essa questão envolve um conjunto de situações complexas, como forças mais preparadas (novas modalidades?), inteligência, maiores recursos, integração das forças policiais, balanceamento entre ações preventivas e ofensivas, eficiente patrulhamento nas fronteiras, entre outros programas. Por mais forte que seja a índole “atacante” contra a bandidagem, não se espere melhoria da segurança pública no curto prazo.
O consumidor, o anônimo das ruas, o habitante das margens esperam por um bolso mais recheado, de onde possam garantir o sustento da família e adquirir o remédio, a comida, os livros da filharada, pagar o transporte, enfim, as coisas do sofrido cotidiano. Seriam atendidos em um primeiro momento ou vão ter paciência de esperar, antes de atenderem às convocações de movimentos sociais? São dilemas que se apresentam ao novo mandatário.
Quanto à última observação, vale enfatizar que as oposições estarão de olho aceso nas curvas do caminho do novo governo. Agirão sob o impulso de ganhar fôlego e voltar a ser fortes protagonistas da política. Derrapadas eventuais ou atrasos no cronograma das ações serão motivo para voltar às ruas.
Que Deus ajude o país!
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