O produto do país é a soma dos bens materiais e serviços finais produzidos durante o ano. Por que a palavra "finais" na frase? Para não contar a mesma coisa várias vezes. Não se pode somar a produção de trigo bruto (na lavoura), mais a produção de farinha (na indústria), mais a produção de pão (na padaria). O que a sociedade tem para consumir é apenas o pão. A semente virou trigo, que virou farinha, e esta virou pão. São três fases do mesmo processo.
A renda da terra, os salários do trabalho, os juros do capital e os lucros do empresário são apenas o outro lado do produto. O valor total dessas quatro rendas é igual ao valor total da produção. A má distribuição da renda é igual à má distribuição do produto. Pense na população como uma família só, e o produto do país como uma
pizza. Se a pizza fosse cortada em 194 milhões de fatias iguais, todos teriam exatamente o mesmo tanto para consumir, ou seja, a mesma quantidade de bens e serviços para cada habitante.
Mas as coisas não são assim. O sistema diz que um engenheiro merece uma fatia maior que um operário. O meio para dar mais ao engenheiro e menos ao operário é o salário de ambos, pago na moeda nacional. A moeda é apenas um vale que permite ao engenheiro e ao operário consumirem o quanto seu salário pode comprar. O operário vai consumir menos porque o sistema crê que ele contribui menos para a fabricação da pizza (o produto).
Como o setor privado é uma máquina de produzir sem grande preocupação com a distribuição, inventou-se o governo, cuja função é tomar parte da renda do engenheiro (em forma de tributos) e distribuir ao operário (em forma de educação, saúde, Bolsa Família etc). Para isso, o governo cria um complexo sistema de impostos e outro complexo sistema de serviços (escolas, hospitais e burocratas).
Mas o Estado tem outras funções defesa nacional, segurança interna, infraestrutura, justiça etc. e a máquina estatal vai crescendo e, para fazer funcionar a máquina de distribuir, o governo necessita de funcionários. O sistema diz que o funcionário encarregado de tirar do engenheiro e dar ao operário também merece uma fatia maior que a fatia do operário. Assim, parte dos tributos o governo não distribui ao operário, mas usa para sustentar a si mesmo, seus políticos e seus burocratas.
Recente estudo feito pelo Ipea que é um instituto de estudos e pesquisa do próprio governo mostrou que o Estado é, ele próprio, um agente concentrador de renda. O estudo diz que o governo causa desigualdade de várias formas. Pela remuneração dos servidores públicos (23% acima da média do setor privado para as mesmas funções), pela previdência social dos servidores públicos (o limite de aposentadoria do setor privado está em R$ 4.159, enquanto os servidores se aposentam com salário integral) e também pelo sistema tributário.
Com os tributos indiretos (PIS, Cofins, ICMS, IPI etc.), os pobres gastam, com tributos, um porcentual de sua renda maior do que os ricos. Para reduzir a concentração de renda, o governo apela para isenções tributárias seletivas (caso da cesta básica) e monta programas sociais (caso do Bolsa Família). Porém, feito o balanço final, diz o estudo que o Estado é o responsável por 1/3 da concentração de renda no país.
O governo se parece com um pai que espanca o filho e depois lhe fornece álcool e algodão para curar as feridas.
José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.