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Achar que os consumidores são anjos res­­­ponsáveis é ingenuidade. Não há diferença entre o comerciante e o consumidor. Ambos podem ser individualistas e egoístas

Em economia, uma opinião leiga, que parece ótima em um primeiro momento, pode ser equivocada quando analisada à luz das teorias. Anos atrás, houve um colapso no abastecimento de água no Litoral do Paraná. Era verão e as praias estavam cheias. A procura por água engarrafada disparou, e os preços explodiram. Os consumidores gritaram e alguns jornalistas condenaram os comerciantes, chamando-os de gananciosos e desumanos.

A questão central é: o governo deveria proibir os preços abusivos e determinar que os comerciantes vendessem água pelos preços de antes?

Talvez você diga: sim, nesses casos o governo deve proibir a elevação de preços. Pois um economista diria: não, o governo não deve intervir e deve deixar que os preços subam. Vamos tentar provar como uma suposta bondade pode matar a população de sede, enquanto a crua racionalidade econômica pode salvar a comunidade.

Primeiro, a disparada dos preços teve o efeito (altamente benéfico) de atrair fornecedores de outras cidades, sem os quais não haveria como atender à demanda; os comerciantes de fora somente apareceram porque os preços dispararam.

Segundo, os preços altos tiveram o efeito (também benéfico) de forçar os consumidores a poupar água. Se o consumo não diminuísse, não haveria água engarrafada para todos. Caso os preços fossem tabelados pelo governo em nível baixo, muitos iriam seguir lavando carros e tomando banho... com água engarrafada. Achar que os consumidores são anjos responsáveis é ingenuidade. Não há diferença entre o comerciante e o consumidor. Ambos podem ser individualistas e egoístas. Assim é a natureza humana.

Terceiro, muitos queriam que o governo proibisse os preços abusivos para proteger o consumidor da ganância dos comerciantes (mesmo sabendo que, a preços baixos, os fornecedores de outras cidades não iriam para o Litoral vender água). Pergunto: por que razões deve o governo proteger um grupo (os consumidores) e não proteger outro grupo quando este está em dificuldades (os comerciantes)?

Explico-me: seis meses antes, houvera um inverno intenso, longo e chuvoso, e esses mesmos comerciantes (agora tidos como gananciosos) estavam à beira da falência porque as vendas de água embalada haviam caído muito. Ora, se o governo tinha o direito de proibir preços abusivos no verão, ele tinha a obrigação de proteger os comerciantes no inverno, quando estavam perto de quebrar. Entretanto, não apareceu nenhum veranista, político ou jornalista no inverno dizendo: "Vamos proteger os comerciantes; eles estão quebrando porque ninguém está comprando água". Por que uns merecem proteção e outros não?

Mas a maior de todas as razões para que o governo não proíba a subida dos preços é a mais relevante: sem preços altos, os fornecedores de outras cidades não iriam para o Litoral vender água. Os moradores e os veranistas teriam preços baixos, só que não haveria água para todos. Proibir o aumento dos preços, nesse caso, é o tipo de bondade que não salva; mata.

Um jornalista argumentou que, com os preços nas alturas, os pobres não conseguiriam comprar água. É verdade; só que, para esse problema, há três soluções, e nenhuma delas é proibir a subida de preços. Uma solução seria as famílias fazerem as malas e sair do Litoral. Outra seria o governo subsidiar os moradores pobres. A terceira seria jogar a conta para quem causou o problema: a Sanepar (que, no fundo, é o governo).

Ora, se a Sanepar é um monopólio estatal e o colapso se deu no fornecimento de água sob responsabilidade dela... ou ela devia tratar de buscar água em outras cidades e abastecer os consumidores ou o governo deveria socorrer a população local e pagar a conta. A decisão de jogar o problema sobre os comerciantes não é lógica, e pior: não funciona. Com preços baixos, simplesmente faltaria água, além de não haver incentivo para a comunidade poupar o produto.

Tragédias coletivas devem ter solução coletiva, e o governo nada mais do que uma estrutura que sociedade sustenta para defendê-la de problemas que não podem ser resolvidos pelas pessoas de forma individual. Os tributos foram inventados para isso. No caso em questão, a coisa é pior, pois o governo foi o causador do problema, já que a companhia de água é estatal. É claro que foi um acidente, mas isso não muda o fato de que o colpaso foi com uma empresa do governo.

José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.

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