Substitui-se o regime de livre concorrência pelo dirigismo do mercado, sob o comando da Anatel
Vinte e um milhões de usuários dos serviços de telecomunicações, integrantes das "classes A e B", estariam bem atendidos. Porém, 128 milhões, integrantes das "classes C, D, e E", necessitam ter o atendimento desses serviços "ampliado pelo mercado", afirma a Anatel ao propor um Plano Geral de Metas de Competição (PGMC). Essa conclusão e o seu remédio não se acham em um estudo detalhado elaborado pela Agência, que deveria preceder a formulação de um plano tão abrangente. Ambos foram expressos pelo ministro das comunicações, Paulo Bernardo, ao analisar a oferta de banda larga: "O presidente Lula falou, e a Dilma concorda, que o mercado deveria ter resolvido isso. A experiência mostrou que não. Então, estamos entrando para empurrar o setor. Mas as empresas têm obrigação de fornecer o serviço, elas são concessionárias, ganham dinheiro com serviço público. Elas têm corresponsabilidade. Querem o quê? Fornecer para a classe média que ganha R$ 10 mil por mês? E o povão do Morro do Alemão vai ficar sem serviço? A verdade é que o setor fez opção de oferecer o serviço caro para poucos". Nem bem, nem tanto.
Desde a privatização dos serviços, foram criados 352 milhões de acessos, entre telefonia móvel, fixa, internet e tevê por assinatura. Uma das principais razões dessa expansão que atingiu a todas as classes sociais do país e em especial as de menor renda, foi a divisão dos serviços em dois grupos: a telefonia fixa, com tarifa controlada pela Anatel e cuja ampliação da rede, já realizada, foi prevista no contrato de concessão desse serviço; e os demais serviços, celular, banda larga e televisão por assinatura, a serem prestados no regime de livre concorrência, onde as empresas decidem os investimentos a serem feitos e os preços a serem cobrados, sob a fiscalização da Anatel para evitar abusos. Nesses três serviços, há concorrência, como mostra a resposta à demanda sempre crescente neles verificada.
Ainda assim, há muito a melhorar. Os serviços poderiam ser mais baratos e a oferta deles maior. Entre outros, há dois fatores determinantes dessa situação. O primeiro, a carga fiscal, que responde por quase a metade do preço dos serviços cobrado ao consumidor e já arrecadou (cerca de 300 bilhões), mais do que o valor investido. O segundo, a limitação da ação regulatória da Anatel, cujo regime de segredo cultivado pelo seu conselho diretor a vem isolando da sociedade e assim convertendo o seu corpo técnico em executor aplicado de comandos hierárquicos externos, frustrando-lhe a função de intérprete privilegiado da Lei Geral de Telecomunicações. É nesse contexto que a Anatel busca cumprir por meio do PGMC a política enunciada pelo ministro.
Os seus termos são radicais. Seu ponto central é o deslocamento do centro decisório das empresas que prestam serviços móveis, de banda larga e de televisão por assinatura, no regime de livre concorrência, para a Anatel. Segundo o Plano, as empresas as quais a Agência identifique deter poder de mercado significativo estarão obrigadas a investir em redes e infraestrutura, nos termos do Plano, assim como reservar parte delas ao uso de concorrentes, nos quais a Agência não identifique poder de mercado significativo, por preço a ser homologado pela Anatel.
Em uma palavra, substitui-se o regime de livre concorrência pelo dirigismo do mercado, sob o comando da Anatel. Em um primeiro momento, algumas metas até poderão ser cumpridas, depois de negociações que acomodem alguns de seus termos. A ampliação da oferta, contudo, não virá por essa forma, impositiva, contrária à Constituição, à LGT e à experiência também, que já mostrou o fracasso do dirigismo estatal no setor.
A proposta de ampliação do atendimento dos serviços de telecomunicações "pelo mercado" é desejável por todos, consumidores e empresas, e não apenas pelo governo. E é possível ser cumprida. Mas é preciso situar o debate em outros termos. Qual a urgência em se aprovar essas regras, tão complexas e controvertidas, em tão pouco tempo? A Agência argumenta que vem debatendo o PGMC internamente há muitos meses. Então por que deixar ao público apenas dois meses para ele opinar? Ouvir o mercado, consumidores e empresas, não é se submeter a ele.
Em um regime de livre concorrência, onde a intervenção do Estado pune o abuso de poder de mercado, e não decide sobre investimentos privados, havendo demanda sustentada, haverá oferta.
Pedro Dutra é advogado.