• Carregando...
Guerra Oriente Médio
Faixa de Gaza.| Foto: Mohammed Saber/EFE

Toda guerra envolve, em maior ou menor escala, uma “guerra de informações”. Afinal, o conteúdo e a forma em que se dá a divulgação de fatos – reais ou inventados – exerce profunda influência sobre o apoio interno e a formação de alianças dos grupos ou países beligerantes. Não deveria surpreender, portanto, que a presente guerra entre Israel e o Hamas também tenha suas batalhas informacionais. Mas essa espécie de batalha, nesta guerra, nesta época, ganha contornos especiais.

Vivemos a era da incoerência. A era dos brados de tolerância sem espaço para a divergência; a era da liberdade sob a ditadura do politicamente correto; a era do “decolonialismo” que – descobrimos agora, com algumas das celebrações macabras à barbárie do 7 de outubro – não seria outra coisa senão violência legítima; a era das universidades que não aceitam debates científicos, mas permitem discurso de ódio. E a era em que boa parte do jornalismo se converteu em “relações públicas de um grupo terrorista”, como maravilhosamente descreveu Rodrigo da Silva, em seu perfil no X (antigo Twitter).

A peste do antissemitismo foi despertada novamente – e os judeus sabem bem como começam e como terminam os tsunamis antissemitas.

Um hospital explode em Gaza. O grupo terrorista – sim, terrorista, independentemente dos vergonhosos eufemismos de que se valem a Organização das Nações Unidas (ONU) e a imprensa tradicional para descrever quem mata e sequestra civis por razões político-religiosas – afirma que se trata de um bombardeio israelense. Essa mesma imprensa acolhe, sem crítica, sem apuração, sem contraditório, as palavras de um grupo que não tem pudores em degolar e queimar vivas crianças, e as manchetes mais odiosas contra o Estado Judeu são publicadas por todo o mundo.

No Brasil, especialista em Oriente Médio de uma grande emissora de TV a cabo quase celebra o fato de que os Estados Unidos não endossaram imediatamente a alegação israelense de que não se tratou de um bombardeio, mas sim de um malfadado míssil lançado por um grupo terrorista palestino. Estavam os americanos a fazer aquilo que os jornalistas não fizeram: apuração e diálogo.

Nas horas seguintes, o exército israelense apresenta, uma após a outra, evidências de que a explosão não resultou de ataque de sua lavra. A imprensa que correra para culpar Israel agora se apressa para refutar e desconstruir as provas que lhe são trazidas; a BBC inglesa, consultando especialistas – com vista, obviamente, a refutar as alegações israelenses e salvar sua mal fingida imparcialidade –, timidamente diz que não é possível concluir de onde partiu o míssil que atingiu as cercanias do hospital e matou civis inocentes.

Era tarde demais. Quando da revelação de que Israel provavelmente (ou seguramente) não havia sido a fonte da tragédia, a onda antissemita – cujo cheiro já se sentia pela relativização e pela legitimação da barbárie em 7 de outubro – já virara um tsunami. As redes sociais ferviam em manifestações de ódio a judeus; embaixadas israelenses enfrentavam multidões ávidas por sangue – e nada de retratação daqueles que propagaram o ódio. Mas nada disso é novo.

O movimento sionista nasceu de uma conjunção de fatos muito semelhantes. Em 1894, o capitão Alfred Dreyfus, judeu francês, foi acusado de traição, sob a alegação de ter repassado segredos militares à Alemanha, então rival da França. Instruído sob sigilo inédito, com testemunhos sob coerção e documentos fraudulentos, além do sumiço de outros verídicos, o processo resultou na condenação e desonra do oficial judeu. Com ajuda da imprensa, o escândalo despertou o antissemitismo que jazia latente na sociedade francesa, culminando em manifestações de ódio e perseguições aos “judeus sujos”, as quais inspiraram Theodor Herzl a escrever seu O Estado Judeu e fundar o sionismo.

Anos depois, a descoberta de novos documentos e outros indícios de que a traição fora perpetrada por outro oficial (comandante Esterhazy), a consequente abertura de apuração pelo novo chefe do serviço de inteligência francês (o “Dossiê Picquart”) e a pressão de intelectuais como Émile Zola, com seu célebre manifesto J’accuse, levaram à revisão do caso e, ao final, ao reconhecimento da injustiça sofrida por Dreyfus.

Porém, assim na França de Dreyfus como na Guerra Israel-Hamas, o estrago não se apaga. A peste do antissemitismo foi despertada novamente – e os judeus sabem bem como começam e como terminam os tsunamis antissemitas. E, justamente por isso, dizemos, desde 1945: “Nunca mais!”.

Aos jornalistas que não pretendem ser “relações públicas de grupo terrorista”, caberia reconhecer publicamente seu erro e retratar-se com a humildade de que apenas os grandes são dotados. Esperar grandeza na era da incoerência seria apenas mais uma incoerência, mas, ainda assim, valho-me de algumas das palavras de Zola: “Repito-o com uma certeza ainda mais veemente: a verdade está apenas a caminho e nada a deterá. Hoje é apenas o começo, pois apenas agora as posições estão claras: de um lado, os culpados que não querem que haja luz; de outro, os vigilantes que darão sua vida para que ela apareça. Já o disse antes, e vou repeti-lo aqui: quando a verdade fica soterrada, ela toma corpo, e ganha tal força explosiva que, no dia em que explode, leva tudo consigo”.

Gabriel Heller é advogado e mestre em Direito.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]