O ano de 2020 trouxe a todos na área da saúde a necessidade irrenunciável de um aprofundamento na gestão e na reflexão ética sobre o que queremos nas estruturas hospitalares no futuro pós-Covid. Apesar de todo o progresso científico, que melhorou nossas capacidades de prevenção, diagnóstico e tratamento, nenhum país e nenhuma estrutura hospitalar do mundo se mostrou eficiente para afrontar a pandemia. E velhos problemas, não resolvidos, vieram à tona.
Existe um modelo hospitalar melhor e que seja, ao mesmo tempo, sustentável, humano e eficaz? Onde encontramos as melhores estruturas, mais adequadas ao que buscamos após a pandemia passar: EUA, Europa, China, Austrália, Nova Zelândia ou Japão? Em países como o Brasil, de dimensões continentais, com dificuldades de orçamento e com graves distorções sociais, o que podemos esperar?
Infelizmente, nenhum sistema de saúde no mundo é perfeito. Nem mesmo o dos países desenvolvidos. Todos têm problemas. Alguns, inclusive, estão presentes em todos eles. Por exemplo, é praticamente uma regra a falta de um sistema eficiente para melhorar a saúde mental da população, para controlar os custos cada vez maiores das doenças crônicas e para evitar tratamentos desnecessários. A saúde vai mal, não apenas porque tem recursos insuficientes. Ela também gasta mal o que tem. E isto ficou bem mais evidente em 2020.
Os elementos envolvidos nas avaliações de eficiência dos sistemas de saúde, segundo Ezekiel Emanuel, são: história, cobertura, financiamento, pagamento, entrega da assistência, regulamentação da prescrição de medicamentos e recursos humanos. Os EUA despendem quase 18% do seu PIB em saúde. Com 4% da população mundial, são os responsáveis pela metade do que se gasta no mundo com prescrição de medicamentos e têm a estrutura hospitalar mais cara do mundo. A US National Academy of Medicine estima que cerca de US$ 140 bilhões são gastos em tratamentos ineficientes e mais de US$ 200 bilhões, em serviços desnecessários.
Como enfrentarmos tudo isto, então, no Brasil? Em primeiro lugar, partindo de um princípio fundamental e frequentemente esquecido: o paciente tem de estar ao centro. Tudo deve rodar em torno dele. Nenhum outro interesse é eticamente admissível, sendo que a pessoa que sofre, em um momento de debilidade e fragilidade, precisa ser considerada como um fim, nunca como um meio. Ela não deve ser objeto da decisão do médico ou do sistema, mas o sujeito que deve exercer seu direito de escolha. E tudo deve estar disponibilizado em estruturas que estejam preparadas para um atendimento humanizado.
A dignidade do paciente começa com algumas atitudes de baixo custo na gestão hospitalar. A primeira é que o hospital deve ser um ambiente livre de dor. Temos de banir o sofrimento das nossas estruturas hospitalares. Parece básico, mas é muito frequente encontrarmos pacientes internados e, mesmo assim, com dor não tratada ou tratada de maneira incorreta. Dor não valorizada. Ela é aceita como parte do processo, mesmo com terapias eficazes para eliminá-la. Precisamos criar o conceito de “hospital sem dor”.
Outra atitude de baixo custo e frequentemente deixada de lado nas estruturas hospitalares é o respeito pela privacidade. Muitos hospitais apresentam estruturas antigas e que anulam a identidade do paciente. Mudanças conceituais nas enfermarias são necessárias; porém, mais do que isto, precisamos de uma mudança cultural na assistência. A exposição desnecessária de pacientes, mesmo que em salas de espera ou salas de tratamento e enfermarias, precisam ser reduzida ou evitada. Mudanças mais drásticas envolvendo custos maiores também são necessárias. Hospitais com milhares de leitos são de difícil gestão. É melhor termos mais hospitais com até 400 leitos, do que alguns poucos com 1 mil a 2 mil leitos. Centros menores necessitam de organização diagnóstica de excelência para que possam identificar com segurança casos mais graves que necessitem encaminhamento para centros de excelência. Precisamos de espaços integrados de medicina preventiva, diagnóstica e terapêutica. A prioridade dos hospitais seriam as doenças em sua forma aguda, e estruturadas para responder às exigências do paciente, voltadas para internamentos curtos, com no máximo 3 a 4 dias. Informações integradas, inteligência artificial, telemedicina, robótica, tudo isto é parte de um novo mundo que busca não apenas melhorar a eficiência de um sistema ainda antiquado, mas sobretudo reduzir as falhas e os efeitos colaterais dos tratamentos hospitalares a níveis mínimos.
Os hospitais não precisam ser estruturas de luxo. Mas têm de ser acolhedores e confortáveis. Não podem ser lugares que lembrem sofrimento. Devem ser funcionais, oferecendo o máximo da modernidade e organizados de maneira a poderem ser continuamente atualizados, ou mesmo de poderem se adaptar e a responder rapidamente a situações graves, como esta da pandemia e a outros desastres naturais e não naturais. Um bloco destinado a alta complexidade e outro, de baixo custo, quase residencial, para menor complexidade. No seu interno, além de capela e restaurante, também serem colocadas bibliotecas, salas de ginástica, pequenos negócios e áreas comuns de convivência. Tudo isto com uma decoração que lembre tudo, menos o clássico hospital no modelo antigo.
Contudo, não basta mudar apenas a estrutura. Não bastam algoritmos de inteligência artificial reduzindo os erros diagnósticos e integrando a informação de maneira inteligente, ou cirurgias robóticas cada vez menos invasivas e sofisticadas. É necessário mudar a mentalidade. Ao final, será o hospital a se adequar ao doente e não o doente ao hospital. E este será, antes de tudo, um ambiente de humanidade e de acolhimento.
Cicero Urban, médico mastologista, é professor de Bioética e de Metodologia Científica e vice-presidente do Instituto Ciência e Fé, em Curitiba.