Sustentabilidade é a palavra do momento. Às vésperas da conferência sobre desenvolvimento sustentável Rio+20, esse conceito ganha grande destaque. Diretamente relacionada à responsabilidade social e à preservação do meio ambiente, a palavra pode confundir e servir apenas como marketing para produtos e companhias que de sustentáveis têm pouco, ou quase nada. O cigarro, cujos malefícios são amplamente comprovados, está dando o seu jeito de também se tornar "sustentável".
Valendo-se de algumas práticas de economia de água e recolhimento de resíduos, as empresas de tabaco correm pelas beiradas, explorando cada iniciativa em relatórios de sustentabilidade e prêmios concedidos pela imprensa e por organizações não governamentais. Mas como premiar empresas cujos produtos são altamente tóxicos, causam dependência e só no século 20 exterminaram 100 milhões de pessoas?
Além disso, são cerca de 1,2 bilhão de fumantes no planeta consumindo milhões de cigarros todos os dias e jogando gases tóxicos, como monóxido de carbono, nos ambientes internos e na atmosfera. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), morrem cerca de 600 mil não fumantes no mundo devido ao tabagismo passivo.
Será que todos sabem que as folhas de tabaco usadas na fabricação de cigarros passam por um processo de secagem em estufas alimentadas a lenha? No Brasil, só entre 1990 e 1998, a produção de fumo consumiu 300 milhões de árvores na região Sul do Brasil. Não por acaso a Advocacia-Geral da União no Rio Grande do Sul promoveu, no ano passado, a assinatura de termos de compromisso entre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e o Sindicato da Indústria do Tabaco (Sinditabaco) para criar um sistema de monitoramento de áreas utilizadas para plantação de fumo e recuperar terras devastadas por essa atividade. No portfólio de insustentabilidade dessas companhias, a maioria delas transnacionais, constam ainda práticas nada éticas na sua relação com cerca de 200 mil famílias de pequenos agricultores inseridos na cadeia produtiva de fumo no Brasil.
É evidente a contradição entre o negócio do tabaco e o desenvolvimento sustentável, expressão formalizada pela primeira vez no Relatório Brudtland das Nações Unidas, durante a Eco 92, também no Rio. A doutora Gro Brudtland, responsável pelo relatório que leva seu nome, foi a mesma que viabilizou, enquanto diretora da OMS, a negociação da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco, tratado internacional para regular as práticas da indústria do tabaco, reconhecida como o vetor da epidemia de tabagismo e dos milhões de mortes anuais resultantes. Ratificada pelo Brasil e por mais 173 signatários, essa convenção, embora tenha feito a diferença em vários países, ainda não conseguiu deter o poder expansionista das empresas transnacionais de tabaco, cujos esforços concentram-se em países mais pobres.
No Brasil, têm sido frutíferos os esforços para reduzir o tabagismo e suas consequências. Mas ainda são tímidas as iniciativas para resgatar os pequenos agricultores dos grilhões da dependência econômica da cadeia produtiva do fumo. É fundamental que a Rio+20 inclua o tema na sua agenda e registre que produção e consumo de produtos de tabaco não combinam com sustentabilidade.
Marcos Moraes é presidente do Conselho de Curadores da Fundação do Câncer.