“Os deuses das nações são demônios” (Apocalipse 15,4)
Todos que ainda não foram dominados pela língua de pau da ONU, da Unesco e de sua rede de tentáculos não governamentais perceberam a monstruosidade que se seguiu à recente aprovação do aborto na Argentina. Não param de circular vídeos e imagens nas quais jovens militantes argentinas comemoram o direito de assassinar os próprios filhos como uma espécie de conquista esportiva, com direito a momentos de puro terror: numa dessas imagens é possível ver, ao fundo, um cartaz de deleite com a possibilidade de se devorar fetos no café da manhã.
Sei que alguns questionarão a veracidade da imagem nestes tempos de manipulação digital. A verdade é que pouco importa, já que é perfeitamente possível ouvir coisas semelhantes ou até mais macabras sendo ditas em qualquer universidade brasileira. Sim, os monstros já habitam entre nós, e contam com a instituição que todos os brasileiros aprenderam a desprezar, para a oficialização de seus sacrifícios ao deus Moloque: trata-se, é claro, do STF. E, no presente estado de coisas, nada poderemos fazer se o STF legalizar o aborto no Brasil sob o rótulo de “direitos reprodutivos da mulher”, mesmo que esse princípio inexista em nossa Constituição e seu conteúdo fático esteja em flagrante contradição com o mais sagrado dos direitos individuais: a vida. Diante dessa realidade profundamente antidemocrática, é preciso entender qual a verdadeira estrutura e projeto de poder que afronta a nação e o que ainda é possível fazer para evitar a tragédia da completa vitória da cultura da morte.
No presente estado de coisas, nada poderemos fazer se o STF legalizar o aborto no Brasil sob o rótulo de “direitos reprodutivos da mulher”
Em Crime e Castigo, Dostoievski apresenta-nos o drama de Raskólnikov, o típico estudante esquerdista que, de um quarto infecto, ameaça legislar sobre o universo e a humanidade. Influenciado pelos delírios de Nietzsche, Raskólnikov se crê um super-homem, aquele que irá construir a sociedade futura com a força titânica de um Napoleão. Eis que surge a oportunidade de testar a resolução desse titã: perante a pobreza estudantil se apresenta uma velha usurária, sua vizinha, dotada do capital que pode alavancar o César redivivo ao seu projeto de um novo mundo. Matar ou não matar? Esse mesmo drama de uma ética super-humana e titânica domina a mentalidade das tropas de choque dos abortistas no Brasil. Militantes enragées vivem apinhados nas grandes metrópoles, onde são radicalizados pelos professores esquerdistas que já imbecilizaram várias gerações de brasileiros. Do fundo de suas repúblicas universitárias e centros acadêmicos, sonham com sua transformação em futuros scholars dos estudos de gênero e das ciências sociais – regiamente financiados pelas grandes fundações e organismos internacionais. Se forem bem-comportados e eficientes, contribuindo para o avanço da agenda de engenharia social internacionalista, logo estarão em um jantar chique com o beautiful people internacional, onde zombarão dos pequenos burgueses e da moral cristã medieval ao lado de megacapitalistas e da fina nata do esquerdismo internacional. Para as mulheres, uma das tarefas subalternas mais importantes é ir às ruas e gritar histericamente diante dos jornalistas militantes do PSol e das câmeras do Encontro com Fátima Bernardes. Utilizam da velha tática esquerdista da histeria veemente, que leva os ingênuos a imaginar que estão defendendo algo justo e sincero ao gritarem imbecilidades como “meu corpo, minhas regras”.
Dessa forma, essas amazonas da morte se tornam o povo dileto a quem fala o ministro Luís Roberto Barroso, o jacobino hermenêutico que por ora é ministro do STF. Ele já não almeja mais o arrivismo prometido pela elite globalista: senta-se à mesa com George Soros e a elite das fundações em seus grandes congressos internacionais. Volta ao Brasil sempre mais preparado para pregar a dissolução da Constituição e do povo por meio do Judiciário. E o que, em suma, querem seus superiores? Essa elite do sistema financeiro internacional, acionista de quase todas as grandes empresas do mundo, participante ativa do Clube Bilderberg e do Council on Foreign Relations, só pensa no controle populacional e na engenharia social que acabará com as famílias, igrejas e sociedades orgânicas, transformando todos em indivíduos atomizados prontos a serem funcionários fiéis do Estado e das grandes corporações. Entre esses senhores do mundo e os projetos de um socialismo tecnocrático (que é basicamente a mesma coisa que certo liberalismo abstracionista em que só restam o mercado e o governo) não há a menor distinção: eles são, como já alertava havia décadas Olavo de Carvalho, os donos e patrocinadores do único socialismo real.
O que exteriormente parece ser a preponderância do Judiciário sobre os outros poderes da República é somente o disfarce da entrega da soberania nacional aos grandes organismos internacionais e seus senhores globalistas. Entramos no reino da pura arbitrariedade teatral, tão cara ao ministro Barroso: ele é um ator, um equilibrista em suas próprias palavras, que contra o direito inalienável à vida pode sempre sacar algumas pitadas de Rawls, Dworkin e Cass Sunstein, ou de Derrida, Foucault e Gadamer. E se hoje Barroso e seus colegas podem redefinir os sexos (casamento gay e identidade social), e introduzir um imaginário direito reprodutivo das mulheres que se sobrepõe ao direito à vida, o que impedirá que no futuro possam, por exemplo, declarar o direito inalienável das crianças à expressão sexual e ao relacionamento com os pedófilos? Já se fala abertamente que a pedofilia é uma preferência sexual como qualquer outra e que os pobres pedófilos já nasceram assim. O que falta para que se torne um atentado aos direitos humanos negar-lhes o objeto de seus desejos? Quanto tempo para que a idade do contato sexual consensual seja rebaixada para 10 ou até 8 anos? E a eutanásia? Quando, enfim, poderemos ter a liberdade de matar ou de convencer nossos pais e avós a se matarem? Quando finalmente poderemos imitar a Islândia e baixar a zero o número de nascimentos de crianças com síndrome de Down? A aprovação do aborto permitirá que a marcha desse progressismo mortal se fortaleça. Não esqueçamos que Aldous Huxley já notara que a elite globalista e tecnocrática da Grã-Bretanha da década de 40 tinha a sexualidade infantil como ponto central da engenharia social: em seu Admirável Mundo Novo, os personagens riem de um mundo passado em que não se permitia que as crianças tivessem suas diversões sexuais.
Ao contemplar o caos espiritual, intelectual e moral que se tornou a existência brasileira, podemos nos tornar excessivamente céticos e acreditar que não há qualquer motivo para se crer em uma resistência a essa monstruosidade. Mas é bom lembrar que o país vem demonstrando sinais de nascimento de um nacionalismo conservador, que busca resistir aos avanços da famigerada governança mundial protegendo o povo e as elites nacionais da completa corrosão moral, espiritual e intelectual. A prova de que ainda há vida e resistência é que ninguém ousa colocar esses temas caros à engenharia social globalista em votação plebiscitária ou no parlamento; é preciso atribuir ao STF, órgão composto de indicações políticas e pouquíssimos juízes de carreira, a função de quebra-gelo do progressismo globalista.
Leia também: Um aborto processual (artigo de André Gonçalves Fernandes, publicado em 24 de junho de 2018)
É nesse contexto que surge uma verdadeira peça de resistência: o Projeto de Lei 4.754/2016, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante, que resolve de forma simples e direta a ausência de qualquer controle sobre o poderio do STF: à lei do impeachment, de 1950, deve-se acrescentar um inciso que versa sobre a usurpação de competência do Poder Legislativo e do Poder Executivo. Assim, a sociedade passará a ter uma chance, via parlamento, de lutar contra um tribunal superior que se considera divino e capaz de desconstruir e reconstruir a realidade ao seu bel-prazer. Sem dúvida, algumas almas cândidas dirão que se trata de uma investida do Legislativo e do Executivo contra a Lava Jato e o Judiciário como um todo. Mas, diferentemente do que pregam os garantistas das grandes bancas de advocacia e do STF, a Lava Jato não tem realizado qualquer tipo de ativismo judicial, muitos menos introduzido novos princípios jurídicos em contradição absoluta com as cláusulas pétreas da Constituição. A interpretação de que a prisão em segunda instância destrói o direito à ampla defesa é fantasiosa, já que duas instâncias do Judiciário se pronunciaram e ainda haverá recursos em instâncias superiores, sendo a possibilidade de revisão bastante pequena. Os pretensos “direitos reprodutivos” da mulher, por outro lado, representam um julgamento definitivo e sem recurso para o mais frágil dos seres: um bebê ainda no útero materno.
Mas o prazo para a aprovação dessa peça de resistência é limitado: o PSol ajuizou no STF a ADPF 442, que pede a permissão do aborto até a 12.ª semana de gestação. Segundo o Partido Socialismo e Liberdade, afeito ao absurdo até em seu nome, a proibição do aborto vai contra garantias e direitos fundamentais (quais?) da Constituição; tentam nos convencer da existência de um princípio constitucional inexistente para negar o princípio constitucional do direito à vida. Essa é certamente uma operação mental e espiritual costumeira para um partido de indivíduos que foram de stalinistas a garotos de recado de George Soros. O que espanta é que a ministra Rosa Weber tenha convocado, entre os dias 3 e 6 de agosto, representantes da sociedade (quem são?) para discutir semelhante absurdo inconstitucional; ainda mais quando isso é contextualizado com as recentes falas do ministros Barroso e Fux sobre a necessidade de o STF legislar sobre questões progressistas que não seriam aprovadas no Congresso. Tudo se encaminha para que em poucos meses o Brasil se junte ao cortejo da morte que vem percorrendo todas as sociedades ocidentais. E, se isso ocorrer, terá caído um dos últimos bastiões contra a cultura da morte – que cresce prometendo reunir os piores delírios do consumismo e do capitalismo predatório aos mais loucos sonhos do socialismo e da libertação sexual revolucionária. Então, provavelmente, só restará lembrar do velho adágio grego: “os deuses primeiro enlouquecem aqueles que querem destruir”. Contra essa abominação da desolação, resta erguer uma primeira resistência e exigir que o Congresso Nacional vote e aprove a possibilidade do impeachment de ministros do STF que venham a praticar o crime de ativismo judicial.