Em qualquer sociedade humana, e não apenas na brasileira, a diferença entre o que é preconizado legalmente e a prática concreta, quando esta não pode ser expressamente caracterizada como fora da lei, mas também não constituiu exatamente a ideal, é denominada “jeitinho”, e aparentemente somos os campeões da modalidade.
Este jeitinho pode ser definido como o meio pelo qual, apesar das regras, leis, determinações, atingimos determinados objetivos que não estariam exatamente em conformidade com elas, ou seja, a forma como contornamos deliberações que, levadas em conta, impediriam a ação pretendida, portanto fazendo prevalecer o pessoal em detrimento do comunitário.
A cultura brasileira tem no jeitinho uma das suas mais características manifestações, mostrando bem como são diluídas nossas formas de controle social, frequentemente definido como o “conjunto dos recursos materiais e simbólicos de que uma sociedade dispõe para assegurar a conformidade do comportamento de seus membros a um conjunto de regras e princípios prescritos e sancionados”.
Evidentemente, a questão do controle social envolve muitos dos mecanismos de cooperação e de coesão de uma determinada comunidade
Durkheim, considerado um dos fundadores da sociologia educacional, definia o conjunto das ações exercidas pelas gerações adultas sobre as mais jovens como a transmissão da ordem e da integração social, e considerava que era exatamente a escola o meio mais adequado para desenvolver no jovem e na criança os estados emocionais e morais para o acatamento das regras comunitárias. Foi também um dos primeiros a discutir o conceito de anomia, situação de perda de identidade normalmente ocasionada pelas transformações sociais muito rápidas, que se traduzem em ausência de objetivos e regras claras; analisando também com profundidade o crime e suas punições e o mecanismo utilizado socialmente para as desobediências e as ameaças à ordem social.
Evidentemente, a questão do controle social envolve muitos dos mecanismos de cooperação e de coesão de uma determinada comunidade, cujas raízes até agora não foram suficientemente compreendidas; e em particular no Brasil, não apenas pela colonização portuguesa, mas pelas características dela – afinal vir para cá constituía um degredo ou pelo menos uma espécie dele, muito diferente do que é observado em outros países – e também pelo tráfico de escravos e a organização gerencial e política vinda de uma metrópole distante, etc.
Nosso país foi fundado no compadrio, nas relações pessoais postas acima da lei, e disso resultou a consideração de que as penas da lei serão sempre para os outros, para os inimigos, e não para aqueles que conseguem se valer dela para auferir vantagens, privilégios e impunidade. Estar à margem das instituições contribuiu para enfraquecê-las, para que tenhamos as famosas “leis que não pegam”, e a adaptação das legislações conforme a conveniência dos poderosos do momento.
É visível que a cultura do jeitinho está estabelecida, e prejudica essencialmente o processo educativo, com improvisações, falta de aprofundamento, organização deficiente. Nós o vemos como normal, como parte da estrutura de nossa personalidade, como característica brejeira de nosso povo. Mas não é.
O jeitinho é com certeza um dos fatores impeditivos do real combate à corrupção, pois induz ao pensamento de “tirar proveito de tudo”, à ideia de que, se estivéssemos lá, poderíamos também nos beneficiar, ou pelo menos “ajudar nossos parentes”, disfarçando em boas ações aquilo que não passa de crime e malversação do erário público. Não se pode construir muita coisa sem um arcabouço legal estável, muito menos uma nação civilizada. Certamente nosso país merece algo melhor que isso.
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