A imprensa nacional divulgou no início do ano passado o movimento liderado pela Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), que organizou um guia para desmistificar o uso de certas palavras e expressões usadas em processos e que dificultam, quando não tornam impossível, a sua compreensão. Os magistrados e os funcionários do tribunal gaúcho foram estimulados a participar de debates em escolas com pais e alunos. A idéia, encampada pela Associação dos Magistrados Brasileiros(AMB), é uma reação contra os vocábulos e discursos herméticos que trafegam em muitos pedidos e julgamentos. "Cártula" (talão de cheque); "cônjuge virago" (esposa); "cônjuge supérstite" (viúvo); "exordial acusatória" (denúncia); "testigo" (testemunha); "caderno indiciário" (inquérito policial), são alguns exemplos.

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Um dos colecionadores de expressões jurídicas pitorescas, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, recebeu um requerimento escrito em italiano, inglês e francês. – "Pedi um novo texto e mencionei o Código de Processo Civil que diz ser obrigatório o uso do vernáculo, considerados os vocábulos que são compreendidos por todos".

A crônica forense conta que certo magistrado, ao determinar a prisão de um assaltante de Barra Velha (SC), ordenou: "Encaminhe-se o acusado ao ergástulo público". Dias mais tarde, a decisão ainda não tinha sido cumprida. Ninguém na delegacia sabia onde ficava o tal "ergástulo". O vocábulo, que na Roma antiga indicava o local onde se confinavam os escravos, está nos dicionários como sinônimo de cárcere, prisão, cadeia.

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Nos processos judiciais há termos técnicos que devem ser mantidos pela precisão da linguagem especializada. O mesmo ocorre nas obras didáticas e nas leis em geral, com frases que instituem garantias, direitos e deveres. A Constituição prevê as ações de habeas corpus, habeas-data e mandado de segurança. São meios processuais para a proteção de direitos e interesses individuais ou coletivos como a liberdade, a vida privada, a intimidade, o patrimônio, entre outros.

Mas existe um cenário distinto no qual são expostas e examinadas as relações humanas e sociais sujeitas às regras aplicadas pelos juízes e tribunais. Trata-se do universo da informação que se realiza pelos instrumentos de comunicação massiva: rádio, jornal, revista, televisão, internet. Daí a necessidade de uma linguagem que, sem perder a qualidade técnica da boa informação (notícia, entrevista, reportagem, editorial, etc.), possa ser compreendida pelos cidadãos em geral.

Essas observações surgem com a leitura do caderno editado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), "O Judiciário ao alcance de todos – Noções básicas de juridiquês" (www.amb.com.br ).

O juridiquês é um neologismo espancado pelos críticos dos estilos afetados. O seu primo-irmão é o economês, que já tem o registro de identidade no dicionário Houaiss: "Uso: jocoso. Linguagem pejada de tecnicidades do jargão dos economistas; terminologia só compreensível a economistas".

A cartilha da AMB tem excelente conteúdo. Alguns aspectos revelam a sensibilidade para o assunto: o Judiciário e a mídia, papel e atribuições dos diversos órgãos judiciários; as funções essenciais da Justiça (Ministério Público, Defensoria Pública e advocacia pública e privada), cartórios extrajudiciais, recursos, além de tipos de processo.

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Um vocabulário com 114 expressões latinas e portuguesas de difícil ou impossível acesso ao leitor comum é um valioso componente.

O manual também serve de apoio ao consumidor pelos endereços dos tribunais brasileiros.

No prefácio, o comentarista político Franklin Martins salienta o relevo da iniciativa da AMB e pede que a cartilha "ajude os jornalistas a compreender como funcionam o Judiciário e os juízes". E mais esperançoso, arremata: "Seria ótimo se ele fosse seguido de sua contra parte: um livreto sobre a imprensa e os jornalistas, escrito especialmente para os magistrados".

René Ariel Dotti, advogado e professor universitário, ex-secretário de estado da Cultura do Paraná.