Acertos e conluios entre os donos de poder do Paraná, seus homens de confiança, e grandes empresários interessados em obras e licitações públicas assombram o estado há décadas. A prova é a história de Haroldo Leon Peres, alvo da chamada Operação Erva-Mate, em 1971, mas que só se tornou pública, com a liberação de diversos documentos dos arquivos do famigerado Serviço Nacional de Informação (SNI nos anos 2000.
A história do político é contada no livro 1971 – Conspiração, Conflitos e Corrupção: a queda de Haroldo Leon Peres, de autoria do historiador Jair Elias dos Santos Júnior e o jornalista Jean Luiz Sampaio Féder. Além dos arquivos do SNI, os dois usaram jornais da época para tentar separar fatos de folclore político e contar a rápida, mas conturbada, passagem de Haroldo Leon Peres pelo governo do Paraná.
Uma boa lição de 1971 é que investigações que param na metade por acomodações políticas, caem no esquecimento ou simplesmente prescrevem por situações de momento são típicas dos regimes de exceção
Carioca, Haroldo Leon Peres fez sua carreira política em Maringá, onde a família tinha fazendas. Obteve algum destaque em Brasília como vice-líder do governo na Câmara dos Deputados. Em 1970, em uma tentativa do então presidente Médici de manter independência dos dois principais líderes políticos paranaenses: Paulo Pimentel e Ney Braga, Leon Peres foi indicado como governador do estado.
Seu mandato foi desde o início atribulado. Houve conflitos com o Tribunal de Justiça, Tribunal de Contas e com a própria Assembleia. Já em seu discurso de posse disparou contra Pimentel, seu antecessor. Principal empresário da comunicação no estado à época, o ex-governador tinha muitos aliados na Assembleia, tanto na Arena quanto no MDB. A escolha do algoz mostrou-se um erro para Leon Peres.
E havia a Estrada de Ferro Apucarana-Ponta Grossa, a Central do Paraná. A construção de 330 quilômetros da ferrovia custaria mais de U$ 400 milhões, boa parte desse valor repassado via governo federal. A obra, vista como um divisor de águas para a infraestrutura do estado, foi primeiro um trunfo nas mãos do Palácio Iguaçu. Depois, tornou-se seu fardo.
Personagens do círculo íntimo de Haroldo Leon Peres passaram a procurar empreiteiras com propostas de acertos envolvendo a construção. Primeiro, Murillo, irmão do governador e chefe do Escritório de Representação Política do Paraná no então estado da Guanabara, que procurou a francesa Serete. Depois, Jerônimo Thomé da Silva, chefe de gabinete do governador, procurou Cecílio do Rego Almeida, da CR Almeida. Os acertos envolviam pagamento de propina. O dinheiro, diziam, seria usado para combater a “campanha contrária da imprensa do estado”. Em troca, os empreiteiros receberiam facilidade em linhas de financiamento e a garantia do pagamento em dia. Nada muito diferente daquilo recentemente revelado pela Operação Lava Jato.
Ambos não aceitaram e procuraram o governo federal. Em uma espécie de precursor das delações premiadas, Cecílio, em especial, passou a colaborar com a investigação. Apresentou um agente do SNI como seu sócio israelense e foi orientado a gravar os encontros com Thomé. Assim foi feito. Haroldo, porém, ao contrário, do que estabeleceu por anos a mitologia política do estado, não foi gravado. Cecílio relata ao SNI uma conversa com o governador no calçadão da praia de Copacabana. Esse diálogo aconteceu, mas não houve gravação. Não era necessário. O destino político do governador estava selado. Coube ao então ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, comunicar a Haroldo sua situação. Ele deveria, sem alarde, renunciar.
Nesse ponto ficam evidentes as diferenças entre os dois tempos. No decorrer da Operação Erva-Mate não há nenhuma menção ao Ministério Público ou à Polícia Federal. Todo o processo, do contato com os informantes à preparação da operação é tocado pelo SNI. Não há participação de advogados e sequer do Poder Judiciário. Os informantes não possuem advogados quando procuram os agentes do Serviço e o governador tampouco tem tempo de constituir um. Ao mesmo tempo, a operação Erva-Mate se encerra com a renúncia de Haroldo. Não há nenhum desdobramento judicial contra Cecília, Murillo, Thomé e contra o próprio governador. Ao deixar o cargo, é como se, para os militares, o problema tivesse se equacionado, ficando de lado inclusive os eventuais prejuízos ao erário.
Outra situação bastante distinta diz respeito à atuação da imprensa. Os veículos tiveram papel de destaque na vigilância pelo dinheiro público nos recentes escândalos de corrupção registrados nacionalmente e no cenário local. Por outro lado, conforme revelam Elias e Feder, é notória a dificuldades dos jornais em cobrir os fatos políticos sob um regime de censura conforme narra a obra. Um exemplo é a revista Veja que publicou uma reportagem de capa sobre o assunto. A edição foi apreendida, mas os poucos exemplares que circularam tornaram-se, durantes anos, a referência sobre o assunto.
É com o regime democrático que temos uma Justiça Criminal equânime, com uma atuação rigoroso, mas técnica do Ministério Público e da Polícia Federal, e o direito à ampla defesa e ao contraditório. Mas é importante que esse processo de combate à corrupção avance e não retroceda. Há diversas ações e iniciativas recentes que visam enfraquecer mecanismos de investigação que estavam consolidados no país, entre elas a própria gravação ambiental.
Uma democracia consolidada não se faz sob o signo da corrupção endêmica e da impunidade. Do mesmo modo, uma boa lição de 1971 é que investigações que param na metade por acomodações políticas, caem no esquecimento ou simplesmente prescrevem por situações de momento são típicas dos regimes de exceção, não da democracia.
Guilherme Voitch é jornalista.