Neste sábado (13) comemoramos o registro dos 30 anos de tombamento da Serra do Mar, um marco para a proteção dos remanescentes da Mata Atlântica do Paraná, e uma oportunidade para lembrarmos do cientista, geólogo e ambientalista, João José Bigarella – um dos principais ícones deste fato histórico que nos deixou aos 92 anos no último mês de maio. O professor Bigarella inspirou muitas pessoas, assim como eu, que tive a honra de conviver e conhecer seu legado, que transpassa gerações e fronteiras.
Ele foi um dos mais importantes geólogos brasileiros, reconhecido internacionalmente e pioneiro na defesa das causas ambientais. Foi fundador do curso de geologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e deve-se às suas pesquisas o tombamento da Serra do Mar, assim como a preservação da paisagem de Vila Velha, o salvamento dos sambaquis, a proteção do Parque Nacional do Iguaçu e muitas outras empreitadas.
Pioneiro, criou na década de 70 o Movimento de Educação Ambiental e, posteriormente, a Associação de Defesa e Educação Ambiental (Adea), uma das primeiras ONGs verdes brasileiras. Ao lado de Frederico Lange e dos geólogos Riad Salamuni e Reinhard Maack, elaborou o primeiro mapa fitogeográfico (que localiza os diferentes ecossistemas paranaenses) e descobriu o Pico do Paraná.
A trajetória deste brasileiríssimo João José, um dos maiores paranaenses que tivemos, cobiçado pelo mundo cientifico, será para sempre lembrada por toda uma geração de pesquisadores
Viajou todos os continentes. Nos Estados Unidos fez parte do Instituto de La Roya, já no continente africano, estudou a paleocirculação dos ventos na Namíbia e trabalhou no Instituto Argelino de Petróleo, no deserto do Saara. Publicou seu primeiro trabalho sobre a deriva continental e os movimentos de gelo, para então, ser convidado a participar de projetos da Unesco.
Por aqui, no período em que realizou estudos na Baía de Paranaguá, foi consultado sobre a abertura do Canal da Galheta, principal canal de acesso das embarcações ao Porto de Paranaguá. Naquela época (período militar), havia um interesse de que madeireiras fossem instaladas na Serra do Mar. Bigarella sugeriu um levantamento do tipo de sedimento que havia no fundo do mar e, após conclusão, disse que se a mata fosse derrubada o Porto de Paranaguá teria que mudar de lugar, pois tudo iria desabar. O corte foi imediatamente proibido.
Já com cerca 84 anos de idade, Bigarella nos auxiliou na Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos – em um trabalho conjunto com a Mineropar – para a delimitação do perímetro da Serra do Mar. As informações nos subsidiaram para o texto de uma emenda constitucional que garantiria a preservação efetiva da área, impedindo a exploração de minérios. A proposta tinha como objetivo estancar ameaças de extração de minérios na Serra do Mar, comprovada pelas cerca de 50 solicitações de licença apresentados por mineradoras brasileiras e internacionais ao Instituto Ambiental do Paraná.
Um dos seus últimos projetos, que eu também tive a honra de acompanhar de perto, foi o sonho de construir o Museu de Geologia e Paleontologia no Parque Estadual de Vila Velha, em Ponta Grossa. Durante todo o período em que estivemos à frente dos órgãos ambientais do Paraná não medimos esforços para que o museu fosse construído. A ideia de Bigarella era levar coleções para o local e criar um espaço virtual em que as pessoas pudessem assistir, em cenários, ao Big Bang, à formação do sistema solar, à origem da Terra há 4,5 bilhões de anos. Ele queria que as crianças e os jovens descobrissem a geologia.
O acervo seria formado por 26 painéis explicativos, 17 cenários tridimensionais (dioramas), três maquetes e 12 vitrines. Entre as peças, réplicas de vulcões e de animais pré-históricos e paisagens abordando o aspecto geológico em diferentes momentos da história.
Infelizmente, a falta de vontade política silenciou o projeto intitulado por Bigarella como o “canto do cisne da sua vida”. No entanto, a trajetória deste brasileiríssimo João José, um dos maiores paranaenses que tivemos, cobiçado pelo mundo cientifico, será para sempre lembrada por toda uma geração de pesquisadores, ambientalistas, historiadores e cidadãos que, assim como nós, tiveram a honra de conhecer um pouco da perseverança, da dedicação, da nobreza e do espírito do professor João José Bigarella.
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