Nessa campanha eleitoral, ouvimos todo dia no rádio, na TV e nas redes sociais o seguinte lema da coligação do candidato à presidência da república Jair Bolsonaro: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. O pleito está polarizado e profundamente radicalizado em duas posições antagônicas: a da esquerda liderada pelo PT e a direita (PSL) capitaneada por Bolsonaro. Muitas críticas, – e até facadas –, são desferidas contra o ex-capitão do Exército. Suas propostas são fortemente refutadas, mas, estranhamente, – e é bom que continue assim –, nenhuma crítica a respeito da menção a Deus no nome da coligação, o que ocorre mesmo diante de significativa parcela do eleitorado optar pelo apoio à combativa esquerda a qual, normalmente, se opõe a toda e qualquer influência religiosa nas questões de razões públicas.
Mas diante de, ao que parece, iminente vitória de Bolsonaro, alguém possa alegar que o Estado é laico e que por essa razão os princípios e valores religiosos não podem ser usados em eventual gestão presidencial, pretendemos arrazoar brevemente sobre o tema.
De fato, segundo o inciso I do art. 19 da Constituição da República, o Estado brasileiro é laico, mas isso não quer dizer que é ateu ou laicista. O laicismo é um ranço antirreligioso que impõe, num primeiro passo, empurrar a fórceps a religião para o foro íntimo da pessoa. Não se pode cultuar (exteriorizar a crença) a Deus. Depois disso, em outro passo, como ocorreu na China, e ocorre na Coreia do Norte, até mesmo do íntimo se tenta expurgar a religião lançando-se mão de revoluções culturais marxistas, torturas e lavagens cerebrais, sobretudo em crianças.
As religiões não podem impor suas doutrinas particulares sobre toda a nação
Aqui no Brasil, o mesmo dispositivo da Carta Magna que estabelece a laicidade, também possibilita haver aliança para colaboração entre o Estado e os cultos religiosos, as organizações religiosas e até com seus representantes, para busca do interesse público, excluindo-se as questões puramente religiosas nas quais o Estado não pode se imiscuir. De igual modo, as religiões não podem impor suas doutrinas particulares sobre toda a nação.
E a Carta não para por aí. Nos artigos que tratam sobre a ordem social (196 a 232), a Constituição chama a sociedade para colaborar em ações conjuntas nas áreas da saúde, educação, assistência social, defesa de direitos etc. Ora, com isto, a Carta convida também as organizações religiosas, pois estas estão inseridas na sociedade civil e não foram excluídas expressamente pelo texto constitucional de atuarem nesses setores. E não poderia ser diferente, pois nas fileiras religiosas talvez esteja o maior número de voluntários disponíveis para executar ações voltadas para a transformação social.
A legislação infraconstitucional segue na mesma linha. A recente lei 13.019/2014, no inciso XII do art. 84-C, a nosso ver, regulamentou o inciso I do art. 19 da Constituição da República, inserindo jurídica e definitivamente, as organizações religiosas no seio da sociedade civil, criando três instrumentos jurídicos para se efetivar parcerias com o poder público.
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Outro grande fundamento constitucional que assegura a Bolsonaro, caso vença as eleições, a legitimidade de invocar o nome de Deus é, sem sombra de dúvida, o fato de que a Carta foi promulgada sob a proteção de Deus, conforme comprova seu preâmbulo. Sob é uma preposição indicativa de que os constituintes se encontravam numa posição inferior a Deus. Assim, Deus está acima não só dos promulgadores mas também de todo o texto promulgado, o qual, dentre outros, exara no seu art. 84 as atribuições do presidente da república.
O Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 2.076-5 entende que o preâmbulo “não se situa no âmbito do Direito, mas no domínio da política, refletindo a posição ideológica do constituinte” servindo para declarar às futuras emendas constitucionais o mesmo ideal que foi perseguido pela Constituição de 1988, esta sim detendo poder normativo.
Portanto, sem entrar no mérito do mencionado lema, e sem partidarizar, é possível afirmar, com razoável segurança jurídica, que o uso da frase “Deus acima de todos” não afronta o Estado laico e pode ser usada pelo ocupante do cargo presidencial, salvo melhor juízo, sem restrições constitucionais.