Diante do indivíduo, o Estado é um monstro enorme e perigoso. Assim, para evitar que, no confronto entre ambos, o indivíduo seja massacrado, torturado e destruído, o governo e seus dirigentes devem ter limites rigorosos nos seus poderes
O Brasil é o país dos slogans e rótulos mal usados. Políticos, professores e outras pessoas públicas, muitos com pouco brilho intelectual, costumam adotar um rótulo e passam a repeti-lo como ventríloquos, uma espécie de teleguiados sem opinião própria. O exemplo mais acabado desse comportamento ocorre com o "neoliberalismo", vocábulo usado como xingamento para tudo que se quer criticar e para rotular qualquer coisa que não vai bem.
Em debate no rádio, uma professora passou o tempo todo culpando o neoliberalismo por várias mazelas citadas por ela. A certa altura, pedi que ela definisse para o ouvinte o que era neoliberalismo e por quais razões ele era culpado por todos aqueles males. Sugeri que explicasse a relação de causa e efeito, senão o ouvinte iria ficar sem entender coisa alguma. Ela não fez nada disso, e por uma razão simples: ela não sabia do que estava falando.
No passado, o papel de demônio-chefe já coube às multinacionais, à dívida externa, ao FMI, à globalização... Todavia, um a um fomos dando baixa desses demônios, reduzindo consideravelmente o estoque de inimigos públicos do país. Estou surpreso com a quase ausência deles nos programas eleitorais, levando-me a crer que estamos vivendo uma crise de escassez de inimigos. O país tem problemas, claro. Porém o entendimento de suas causas exige esforço, estudo e análise, o que requer trabalho e dedicação, coisa que aborrece os ventríloquos. O neoliberalismo, até bem pouco tempo o demônio preferido, anda sumido e perdeu o charme. Esqueceram dele, sobre o qual muito se falava e pouco se entendia.
Já o liberalismo vive e, ainda que alguns gostem de atentar contra seus princípios, desde a Independência norte-americana em 1776 e a Revolução Francesa em 1789 ele é a base da sociedade civilizada. Conforme a palavra sugere, a essência do liberalismo é a defesa da liberdade. Mas não de qualquer liberdade, e sim da liberdade que respeite e defenda a vida, a propriedade, a segurança, o cumprimento dos contratos juridicamente perfeitos e a livre escolha do projeto de felicidade pessoal. Os princípios liberais fundamentais constituem a barreira contra a barbárie e a opressão das massas pelos poderosos e soberanos. Vamos destacar alguns:
1. Democracia política, pela qual os governantes são eleitos pelo povo, com mandato fixo, subordinados a uma Constituição votada pelos representantes da população, assegurados o voto livre e secreto, a liberdade de opinião e o direito de associação e competição.
2. Liberdade econômica, que assegura a todos o direito de escolha da profissão, do trabalho e de como aplicar suas poupanças e seus talentos, em mercado livre e competitivo.
4. Igualdade de todos perante à lei, que subordina o povo e os governantes às leis, seus processos e punições, negando aos eleitos condição de privilégio, de soberania ou poderes ditatoriais sobre os representados.
5. Limitação dos poderes do governo, que estabelece condições e limites aos poderes e ações dos governantes, impedindo-os de agredirem os direitos individuais à vida, à liberdade, à propriedade e à inviolabilidade do domicílio e de privacidade (é essa regra que garante o sigilo de dados individuais expressos em correspondências, telefone, contas bancárias e informações fiscais). É um contraponto às tentações totalitárias e despóticas do Estado sobre o indivíduo.
6. Responsabilidade individual, que sustenta a expectativa sobre que comportamento esperar do semelhante, já que a sua liberdade é balizada pela liberdade e pelos direitos dos outros, e todos são responsáveis pelos seus atos, pois as violações serão julgadas e punidas.
Diante do indivíduo, o Estado é um monstro enorme e perigoso. Assim, para evitar que, no confronto entre ambos, o indivíduo seja massacrado, torturado e destruído, o governo e seus dirigentes devem ter limites rigorosos nos seus poderes. Para impedir a manifestação da vocação ditatorial dos governantes, foi inventado o sistema de pesos e contrapesos, expresso na divisão dos poderes entre Legislativo, Executivo e Judiciário. Botar freio nos homens do poder não é uma bobagem qualquer; é condição necessária à existência do que chamamos "civilização".
José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.